Praticamente dois meses depois, a Polícia Civil concluiu inquérito apontando que houve atos racistas no show do Seu Jorge no dia 14 de outubro no Grêmio Náutico União, em Porto Alegre. Apesar de a perícia não ter encontrado sons que remetessem a ofensas deste tipo, em razão da pluralidade de vozes nos áudios analisados, a Delegacia de Combate à Intolerância usou como base, conforme o Código de Processo Penal, os depoimentos de testemunhas. Não houve indiciamento porque não há autores identificados.
O resultado do inquérito foi apresentado em coletiva de imprensa pela Polícia Civil e pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) na tarde desta sexta-feira (16). O objetivo da perícia era confirmar o que algumas pessoas disseram ter ouvido em meio a vaias e à música. Elas relataram palavras como “lixo”, "nego vagabundo" e "nego preguiçoso". Trecho do laudo pericial diz que "devido à pluralidade de vozes e por se tratar de um evento com grande contingente não é possível a caracterização de todos os locutores presentes no sinal".
A delegada Andrea Matos, titular da Delegacia de Combate à Intolerância, ressalta que a prova técnica não encontrou indícios, mas a prova testemunhal comprova ter ocorrido o ato.
— Houve ofensas racistas, emitidas por uma pequena parcela da plateia e elas foram ouvidas por algumas pessoas apenas e é possível que o grande público não tenha ouvido porque, ao contrário das vaias e dos gritos "mito", as ofensas racistas foram muito dispersas — ressalta Andrea.
A delegada destaca que para ter o indiciamento neste tipo de crime é preciso de uma pessoa física para atribuir o delito, mas a investigação não conseguiu chegar aos autores das ofensas. Ela explica que, neste tipo de crime, não é possível responsabilizar pessoa jurídica.
No inquérito, a Polícia Civil destacou ainda que 99% das imagens analisadas mostram o show na perspectiva do público, o que "torna mais improvável fazer a identificação das faces, fisionomias de pessoas que porventura tivessem proferido as ofensas racistas". Cerca de 800 pessoas assistiam ao show.
Durante a investigação, a polícia ouviu 17 pessoas, incluindo os músicos, pessoas que trabalharam no evento, caso de operadores de áudio e de vídeo, integrantes do clube, como o próprio presidente, e testemunhas. Algumas afirmaram que ouviram os xingamentos, outras negaram. Houve quem percebeu apenas parte das ofensas. Integrantes da banda, por exemplo, afirmaram não ter ouvido os insultos de cunho racista, principalmente porque usavam fones de ouvido.
Análise dos vídeos
Segundo o IGP, a análise dos vídeos foi concluída no dia 6 de dezembro e conseguiu identificar expressões que remetem a vaias e pedidos de "mais um". Foram utilizados softwares específicos e realizados procedimentos para reduzir ruídos e ajustar as frequências, até que os sons se tornassem compreensíveis.
Foram analisados pelo IGP dois arquivos de vídeos, totalizando 24 minutos, mas o trabalho se concentrou em dois trechos, de 34 e 49 segundos, captados ao fim do show.