O Exército abriu mão de fiscalizar armas de fogo, munições e coletes fabricados no Exterior pelo menos até o fim do atual governo. A inspeção dos militares sobre os chamados produtos controlados importados deveria recomeçar em setembro, mas uma portaria interna adiou a retomada do procedimento para 1º de janeiro.
Como mostrou reportagem do início do mês, o Exército abriu uma consulta pública para acabar definitivamente com a fiscalização desses produtos importados. A iniciativa atendia ao lobby dos colecionadores de armas, atiradores esportivos e caçadores (CACs), mas revoltou a indústria bélica nacional que é submetida à fiscalização e reclamou da falta de isonomia.
A consulta pública foi concluída em 5 de agosto, com cerca de 11 mil contribuições. Mais de um mês depois, o Exército não revela quais foram as sugestões recebidas nem se elas resultarão em alterações na minuta colocada para debate. A Força se negou a divulgar os dados pela assessoria de comunicação e por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Há dois anos, durante a pandemia, excepcionalmente, o Exército passou a aceitar certificados internacionais de conformidade dos armamentos importados, abrindo mão da própria fiscalização a partir de testes que até então eram feitos pelo Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército e por parceiros privados.
Na época, a suspensão da fiscalização dos produtos importados foi considerada necessária por causa da alegada falta de estrutura do Exército para atender a demanda por certificações. Neste mês de setembro, a regra, excepcional, chegaria ao fim — e as análises de conformidade lideradas pelos militares voltariam a ser exigidas.
A vistoria nacional, que atesta qualidade e segurança dos produtos fabricados fora do país que serão utilizados em território nacional, é considerada rigorosa por tratar qualquer produto como se fosse um protótipo, ainda que produzido por marcas renomadas. O processo acaba sendo mais lento do que o realizado no Exterior.
Uma portaria assinada pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Valério Stumpf Trindade, publicada no boletim da instituição, prorrogou a liberação de fiscalização no país até o começo de janeiro. O movimento foi visto no mercado bélico como uma forma de ganhar tempo para uma solução intermediária.
Em nota, a Taurus, maior fabricante nacional, afirmou que o fim da exigência de certificação aos importados acaba com a isonomia do mercado e fere a Constituição. Caso a proposta do Exército entre em vigor, a empresa pretende interromper parte da produção brasileira.
"Não traz nenhum benefício ao Brasil, pois, além desses produtos não passarem por nenhum processo de homologação que possa comprovar sua eficiência, ainda incentiva a importação", disse a empresa.
"Desincentiva as empresas estrangeiras de virem produzir no Brasil, de gerarem empregos e riquezas aqui no país, e, o que é pior, incentiva empresas como a Taurus, que possuem fábricas no Exterior, a reduzirem os investimentos no Brasil, passando a produzir nas unidades no Exterior e exportarem para o Brasil, já que essa falta de isonomia cria custos que tiram a competitividade da indústria nacional", complementou a nota.
As reclamações sobre a indústria nacional de armas costumam aparecer entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. O filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), já usou suas redes sociais para exibir marcas e modelos de armas estrangeiras e elogiar a qualidade dos equipamentos.