O Superior Tribunal Militar (STM) condenou, na semana passada, seis réus acusados de fraudes em aposentadorias das Forças Armadas, ocorridas no Rio Grande do Sul. O esquema, investigado em conjunto pela Polícia Federal (PF) e Serviço Reservado do Exército, visava à concessão de reforma remunerada a militares. Dois médicos, três militares e um advogado estão entre os envolvidos, que cumprirão penas que variam de dois a 10 anos de reclusão.
Dos seis sentenciados, cinco já haviam sido condenados em primeira instância, mas recorreram contra o veredito. Já o sexto, um sargento do Exército, havia sido absolvido, mas agora foi condenado pelo STM.
As condenações se embasam nos resultados da Operação Reformados, desencadeada em 2016 pela PF e Exército, com apoio da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério Público Militar (MPM). Conforme as investigações, um advogado, aliado a médicos e ex-militares, tentou montar uma indústria de reintegrações e aposentadorias fraudulentas nas Forças Armadas entre 2006 e 2016. No esquema, eram forjadas doenças psíquicas e ortopédicas inexistentes, utilizando laudos e atestados médicos falsos.
A estimativa das próprias Forças Armadas é de 560 casos sob suspeita, apenas no Rio Grande do Sul. O prejuízo com eles seria de R$ 1 bilhão em vencimentos irregularmente pagos.
Mais de 30 casos envolvem um mesmo advogado, um ex-integrante da Força Aérea Brasileira (FAB), que após sair da FAB se dedicou a reintegrar pessoas à caserna e depois pedir a aposentadoria delas por invalidez. A maioria deles eram militares temporários (aqueles que servem por sete anos e vão embora). Ele conseguia, então, que recebessem pensão para toda a vida.
O advogado entrava com pedido de reforma por sintomas que tornavam os ex-militares inaptos, não só para o serviço militar, mas também para qualquer atividade laboral na vida civil.
No caso dos militares, a reforma foi concedida, ocasionando custos para as Forças Armadas por anos. As ações dos militares condenados eram bastante similares, com exceção da doença apresentada, que variava de problemas ortopédicos a distúrbios psiquiátricos. A partir dos primeiros sintomas, os militares conseguiam atestados fraudulentos de incapacitação. Médicos, também condenados agora, eram responsáveis pela emissão dos laudos falsos.
Conforme a decisão judicial, embasada em gravações obtidas por militares que se passaram por clientes do advogado, ele sugeria simulação de problemas de saúde para embasar pedido de reforma. Apresentava-se como especialista em reformar militares e chegava a explicar ao interessado na aposentadoria como ele deveria simular a doença para obter sucesso.
Entre os casos judicializados há o de um militar que simulava problemas psíquicos, que balançava o corpo e mostrava comportamento ausente durante as perícias, mas que dias depois foi gravado em vídeo fazendo compras, dirigindo e levando familiares a passeios.
Num outro caso, um militar dizia estar incapacitado fisicamente para qualquer exercício, mas foi flagrado participando de competições de lutas marciais e também dançando. Um terceiro, incapacitado para o serviço por supostos problemas psíquicos, praticava suf.
Cinco réus foram condenados em primeira instância pela juíza federal substituta da Justiça Militar da União Natascha Maldonado Severo, da 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), com sede em Porto Alegre. Os advogados dos réus apelaram ao STM contra a sentença e o Ministério Público Militar pediu aumento das penas.
Ao julgar, o STM, por unanimidade, rejeitou as preliminares arguidas pela defesa dos réus, que alegavam: incompetência da Justiça Militar da União; nulidade absoluta dos elementos de provas da investigação; de imparcialidade do julgador; de não conhecimento do recurso da acusação por falta de impugnação aos fundamentos da sentença; e de extinção da punibilidade em razão da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
No mérito, o STM também seguiu o entendimento do relator, ministro Lúcio Mário de Barros Góes. Ele e os demais condenaram um terceiro militar pelas fraudes (que havia sido absolvido primeiramente) e ainda aumentaram a pena do advogado tido como líder do grupo.
Os condenados devem começar a cumprir as penas logo, assim que forem julgados possíveis embargos movidos pelos advogados. Eles podem questionar pontos da sentença, mas não mudam o mérito do veredito, até porque os ministros os condenaram por unanimidade.
O que diz o processo a respeito dos condenados:
Felipe Campos de Oliveira - soldado do Exército na época da fraude.Em primeira instância, recebeu pena de três anos de prisão, inicialmente em regime aberto. No STM, a pena foi aumentada para três anos e sete meses de prisão, mantido o mesmo regime. Conforme trecho da denúncia, que resultou em condenação: “...recentemente ele participou de competição de jiu-jitsu. Exerce atividades incompatíveis com sua suposta incapacidade, como, por exemplo, interagir com cães e dançar com criança ao colo”.
Rodeni Nascimento Garcia - soldado do Exército na época da fraude. Em primeira instância recebeu pena de dois anos e quatro meses de prisão, com regime inicial aberto. No STM, a pena foi aumentada para dois anos e nove meses de prisão, no mesmo regime. “Leva uma vida normal; os supostos problemas psiquiátricos somente apareceram depois que ele passou a ser investigado por crimes de desvio de alimentos; foi condenado por desrespeito contra o tenente médico que primeiro suspeitou dos supostos problemas psiquiátricos; estava preso e, embora a cela fosse revistada diariamente, ingeriu vários comprimidos de remédio psiquiátrico logo após receber a visita de Clodomiro (o advogado)”, segundo um trecho da denúncia.
Sandro Alves – sargento do Exército. Alegava ter problema de locomoção devido a um acidente que lhe causou lesões no joelho direito, mas a investigação concluiu que “isso não o impedia de trabalhar como militar - tanto que atuava com remoção de sucata em empresa da esposa”. Foi absolvido em primeira instância, porque a juíza concluiu que ele realmente não poderia exercer atividade militar. No STM, foi condenado a pena de três anos e dois meses de prisão, em regime aberto, por fraude.
Clodomiro Pereira Marques – advogado e ex-militar, que ingressava com ações judiciais pedindo aposentadorias fraudulentas. Em primeira instância recebeu pena de sete anos e dois meses de prisão, em regime inicial semiaberto. No STM, a pena foi majorada para 10 anos e nove meses de prisão, em regime inicial fechado. Mantida a medida cautelar de suspensão do exercício da advocacia. “Conforme gravação feita por agentes, sugere simulação de problemas de saúde para embasar pedido de reforma, apresentando-se como especialista em reformar militares e chegando a explicar ao agente como ele deveria se portar para obter sucesso. Foram apreendidos carimbos e receituários médicos em seu escritório, havendo provas de que ele mesmo preenchia alguns dos atestados e receituários. A ingestão de remédio psiquiátrico por Rodeni, quando este estava preso, logo após vista de Clodomiro, confirma o modus operandi deste acusado”, segundo um trecho da investigação.
Walter Fernando Gobbato Karl – médico ortopedista. Em primeira instância, recebeu pena de dois anos e quatro meses de prisão, com regime inicial aberto. No STM, a pena foi aumentada para quatro anos e nove meses de prisão, em regime inicial semiaberto.
Clóvis Roberto Villa Verde Mattos – médico ortopedista. Em primeira instância, recebeu pena de dois anos e quatro meses de prisão, em regime inicial aberto. Pena mantida pelo STM. “Forneceu parecer de incapacidade para Felipe Campos, que não corresponde à realidade”, segundo um trecho da denúncia.
CONTRAPONTOS
O que diz o advogado de Clóvis Mattos, Ricardo Cunha Martins:
“Entraremos com embargos declaratórios no processo, porque o crime já prescreveu. Sobre o mérito, tenho a dizer que o médico Mattos foi enganado em sua boa fé por alguns clientes que fingiram doenças”.
O que diz o defensor de Walter Fernando Gobbato Karl:
O advogado Gerdano Tadeu Barcellos de Abreu declarou: “Nós vamos nos manifestar apenas em juízo”.
O que diz a defesa de Felipe Campos de Oliveira:
O advogado Rafael de Oliveira Fortes diz que prefere não manifestar.
O que diz a defesa de Rodeni Nascimento Garcia:
A Defensoria Pública da União, que representa o réu, diz que o processo transitou em julgado no Superior Tribunal Militar. “Sendo assim não cabe mais manifestação da Defensoria Pública da União”.
O que diz a defesa de Clodomiro Pereira Marques:
GZH entrou duas vezes em contato com o advogado Fábio Alexandre Kochenborger, que defende o réu. E mandou mensagens. Sem retorno.
O que diz a defesa de Sandro Alves:
GZH ligou duas vezespara o escritório do advogado Vitor Afonso Lopes Alencastro, que defende o réu. E mandou mensagens. Sem retorno.