Um áudio de cinco segundos se tornou o centro do debate que levou ao cancelamento do júri do assassinato de Rafael Mateus Winques, 11 anos. A gravação foi extraída do celular do pai do menino, Rodrigo Winques, e data de 15 de maio, à noite.
A defesa de Alexandra Salete Dougokenski, 34 anos, alega que a voz na gravação é do garoto. A acusação sustenta, no entanto, que a criança já estava morta neste momento.
Até agora, não há certeza se esse áudio é realmente do menino e muitas dúvidas cercam a gravação. A banca de defesa da mãe argumenta que o material precisa ser periciado e anunciou em plenário que essa seria uma "nova prova". O áudio estava em um CD com as extrações realizadas no celular de Rodrigo, juntadas ao processo em julho de 2020.
Na gravação, é possível ouvir uma criança dizer:
— Sim, ela tá falando com a minha mãe ali.
A defesa de Alexandra sustenta que essa voz é do menino e que a extração apontou como data 15 de maio, às 20h33min.
— A denúncia, e posteriormente a pronúncia, dizem que Rafael morreu entre o dia 14 (mais ou menos 23h) e às 2h do dia seguinte. Portanto, o áudio demonstra que ele estava vivo e tem um problema sério nessa investigação. Uma centena de pessoas confirmou que se trata da voz do Rafael. Isso é muito importante e vai ter desdobramentos processuais — afirma Jean Severo, responsável por capitanear a banca de advogados que defende a ré.
No plenário, no início da manhã desta segunda-feira (21), a juíza Marilene Parizotto Campagana recusou o pedido da defesa para que seja realizada perícia no áudio, por entender que isso deveria ter sido solicitado durante a instrução do processo, antes do julgamento. Com a recusa, a defesa deixou o plenário, o que determinou o cancelamento do júri.
A defesa de Alexandra poderá recorrer a uma perícia particular, e afirma que fará isso. Outra possibilidade é a defesa tentar, por meio de recurso junto ao Tribunal de Justiça, que seja determinada a realização da análise pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP).
— Certamente vai confirmar a voz do Rafael e tudo vai mudar nesse processo — diz Severo
O Ministério Público, por outro lado, sustenta que o áudio foi retirado do contexto e que não foi considerado relevante para o processo, por isso não chegou a ser periciado.
— Existe uma mensagem de uma criança, que pode ser do Rafael e pode não ser, que dá a entender que está com a mãe. A defesa teve dois anos para pedir a perícia, se tivesse entendido que isso era relevante. Se estão pedindo perícia, talvez tenham dúvida de quem seja o áudio. Não temos dúvidas de que foi ela (Alexandra), do dia que aconteceu, de como foi a dinâmica. Ela confessou, disse que matou e indicou onde estava o corpo. A polícia encontrou o corpo porque ela disse onde estava. Estamos prontos, preparados para o júri, com nossa tese de acusação, que sempre foi a mesma. Não foi alterada em momento algum — rebate a promotora Michele Dumke Kufner.
Assistente de acusação, responsável por representar o pai de Rafael no processo, o advogado Daniel Tonetto pondera que o áudio até pode ser do menino, mas de uma gravação realizada anteriormente. Isso porque, após o sumiço da criança, moradores de Planalto passaram a compartilhar conteúdos sobre o caso na internet. Uma das possibilidades é que Rodrigo tenha recebido esse áudio encaminhado por outra pessoa, na noite de 15 de maio.
— Isso é um absurdo. O pai já tem a dor da perda. Rodrigo precisa que essa mulher seja condenada. Está mais do que claro que ela matou o filho do Rodrigo. Estamos prontos para o júri. Nunca vi na minha vida uma atitude como essa. A justiça precisa ser feita — contesta Tonetto.
O pai, que chegou ao julgamento usando uma camiseta com foto de Rafael, disse não ter certeza se o áudio é ou não do filho. O agricultor relatou que seu celular permaneceu cerca de um mês com a polícia para análises. Rodrigo, que reside em Bento Gonçalves, na Serra, chegou inclusive a ser investigado durante o inquérito, mas a polícia concluiu que ele não tinha envolvimento com a morte do filho.
— Não precisava ter feito isso com o nenê — afirmou novamente nesta segunda-feira após o cancelamento do júri.
Ainda não há previsão de nova data para a realização do julgamento, já que o futuro do processo depende de decisões tanto da ré, que pode optar por permanecer ou não com a defesa atual, quanto dos próprios advogados de Alexandra.
Cancelamento custou mais de R$ 160 mil aos cofres públicos
O cancelamento do júri do Caso Rafael custou mais de R$ 160 mil aos cofres públicos, segundo soma apresentada pelo Tribunal de Justiça no final da tarde de segunda. Nela estão incluídos, por exemplo, contratação de uma empresa para organizar a realização do júri, licitação, contratação de link de comunicação de dados (internet), despesas com vigilância, transporte de bens, aluguéis e diárias, entre outros.
De acordo com o TJ, foram necessários meses de preparo para que o julgamento pudesse ser estruturado. Ainda segundo a Corte, foram tomadas providências junto à Procuradoria-Geral do Estado para avaliar possíveis medidas de ressarcimento aos cofres públicos.