Há quase sete meses, uma moradora de Canoas encontrou em um serviço da rede de proteção o apoio e abrigo que não tinha mais na família. Mãe de duas meninas, passou a ser uma das mulheres atendidas pela casa que recebe de forma temporária aquelas que sofrem com a violência doméstica e estão sob risco de morte. Em 2021, foram 64 vítimas acolhidas, mais do que o dobro das 30 registradas no ano anterior.
Antes de chegar ao local, a jovem não conhecia o serviço, oferecido pelo município desde 2011. Em endereço sigiloso, a casa abriga tanto as vítimas de violência doméstica como seus filhos — meninos com até 12 anos e meninas até 18. O local tem capacidade para abrigar, por vez, até 18 pessoas — entre mulheres e seus dependentes. O atendimento é voltado para aquela mulher que, mesmo com medida protetiva, ainda está em perigo iminente de morte e não consegue indicar algum familiar ou pessoa próxima que possa recebê-la.
— Minha vida e a das minhas filhas estava em risco. Não podia voltar para casa, estava sem a ajuda de ninguém. Era eu, sozinha, com as duas. Fui muito bem acolhida aqui. Elas me ajudaram bastante — lembra a jovem.
Quando foi levada até a casa, a vítima, que há cinco anos vivia um relacionamento agressivo, não tinha nem mesmo documentos, mesma realidade enfrentada por muitas que chegam para abrigamento. Desestruturadas, doentes e sofrendo o abandono por parte de amigos e familiares, passam a contar com suporte de diferentes áreas. Normalmente, o período que elas devem permanecer no abrigo é de no máximo 120 dias. No entanto, algumas acabam ficando mais. O tempo varia de acordo com a necessidade de cada uma para se reestruturar.
— Estou organizando a minha vida. Fiz meus documentos, minhas filhas estão na creche. Agora eu vou atrás de um emprego, quero seguir em frente e ter minha própria casa — projeta a jovem.
Para a secretária especial da Coordenadoria de Mulheres de Canoas, Vani Piovesan o aumento de abrigadas se deve tanto ao fato de que as vítimas passaram a conhecer mais o serviço, pela maior divulgação, como pela incidência mais acentuada de violência doméstica durante o período da pandemia, em razão da convivência entre agressores e vítimas, já que muitos ficaram desempregados ou passaram a trabalhar em casa. Nesse contexto, o abrigo é, muitas vezes, a única opção para quem não pode retornar para a própria moradia.
— É a medida radical de proteção e serve para reorganizar a vida dessa mulher. Ela tem acesso a assistente social, atendimento psicológico, de advocacia. É toda uma rede de acolhimento para que, no momento em que saia, consiga estar estruturada. Isso desde fazer documentação, levar no médico, fazer vacinas. Essa reorganização na vida dessas mulheres é função desse abrigamento — descreve a secretária.
A avaliação para saber se a mulher se enquadra entre as que devem ser encaminhadas para o abrigo é feita tanto pela equipe do Centro de Referência para Mulheres em Situação de Violência, como pela da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) — nos casos em que a mulher busca ajuda durante a madrugada, por exemplo. Se for uma situação de emergência, ela pode ser levada diretamente para a casa.
— Há casos em que a mulher é levada para outra cidade porque primeiro procuramos a rede familiar. Mas se não há ninguém que possa recebê-la, e não pode retornar para casa, ela vai para o acolhimento. Não se trata de uma casa de passagem, e sim de um abrigo temporário. Um local sigiloso, onde elas não têm acesso a celulares, e a segurança delas é o mais importante. Delas e dos filhos, quando houver — explica Vani.
Gargalo na rede
Em 2021, 97 mulheres foram vítimas de feminicídio no Rio Grande do Sul — aumento de 21% em relação aos 80 casos de 2020. Em Canoas, foram cinco mulheres assassinadas em contexto de gênero. O município da Região Metropolitana é o segundo com maior número de casos no Estado — Porto Alegre registrou a maioria, com nove vítimas. O abrigamento é justamente uma tentativa de que esse desfecho trágico não se concretize.
— Essas mulheres chegam adoecidas, sofrendo violência física e psicológica. Elas estão no limite. Vão para lá muito fragilizadas, esgotadas. Nesse momento de isolamento, conseguem repensar a vida delas. Encontrar forças para não voltar para o agressor, dar conta dos filhos. Lá trabalhamos muito o fortalecimento da mulher, para que ela consiga sair dessa situação de violência doméstica, e também o papel de resgatar o elo familiar — diz a secretária.
A casa de abrigo faz parte da rede de proteção em Canoas, mas nem sempre é realidade nos municípios — o RS conta com 14 casas de abrigo. Para a diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher, delegada Jeiselaure Rocha de Souza, esse tipo de serviço é peça fundamental para garantir que a mulher dê andamento ao enfrentamento à violência.
— Quando a vítima cria coragem, ela tem que contar com rede estruturada para que possa ser acolhida. Muitas chegam na delegacia e não querem resolver só questões criminais, querem saber sobre a guarda dos filhos, partilha de bens, como vão se manter. Em alguns municípios, como Canoas, isso funciona muito bem, mas precisamos ampliar essas iniciativas. Pensar em consórcios de municípios, por exemplo, para que sejam atendidas por um único abrigo. É essencial fomentar cada vez mais esse tipo de iniciativa. O caminho após o registro de ocorrência é muito longo e difícil e, para enfrentar isso, a vítima precisa de muito apoio — afirma a delegada.
Em junho do ano passado, foi sancionado projeto de lei pelo governo do Estado que prevê a construção de casas de abrigo em municípios com mais de 40 mil habitantes. Segundo a diretora de Política para Mulheres do RS, Bianca Feijó, atualmente os municípios que precisarem abrigar vítimas de violência doméstica e não tiverem condições de realizar o serviço podem solicitar vagas ao governo do Estado.
Onde buscar ajuda em Canoas
Coordenadoria de Mulheres
- Organismo municipal responsável por articular, coordenar e monitorar as políticas para mulheres. Os objetivos são eliminar formas de violência e fortalecer a autonomia, por meio da garantia do acesso a direitos e oportunidades de qualificação para a inserção no mercado de trabalho
- Endereço: Rua Siqueira Campos, 321 - Centro
- Telefone: (51) 98255-1507
Centro de Referência para Mulheres em Situação de Violência Patrícia Esber (CRM)
- Oferece serviço de acolhimento e acompanhamento da mulher em situação de violência
- Endereço: Rua Siqueira Campos, 321 - Centro
- Telefone: (51) 3464-0706
Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam)
- Órgão responsável por registrar e representar ao Judiciário contra o agressor
- Endereço: Rua Humaitá, 1.120 - Marechal Rondon
- Telefone: (51) 3462-6700
Brigada Militar
- Atende chamados de emergência 24 horas por dia
- Telefone: 190
Sala Lilás do Hospital Universitário
- Realiza atendimento médico às mulheres vítimas de violência sexual
- Endereço: Avenida Farroupilha, 8.001 - São José
- Telefone: (51) 3478-8000
Defensoria Pública de Canoas
- Presta assistência jurídica gratuita e solicita ao juiz medida protetiva às mulheres
- Endereço: Rua Coronel Marcelino, 25 - Centro
- Telefone: (51) 3472-0366
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim)
- Órgão fiscalizador e propositor das políticas públicas para as mulheres
- Endereço: Avenida Guilherme Schell, 6.068 - Centro
- Telefone: (51) 3476-4847