Após encontrar o anúncio de uma casa para passar o fim de ano com a família em Torres, uma moradora de Porto Alegre acreditou que estava fazendo um negócio seguro. Chegou a assinar um contrato para a estadia de seis dias e conversou por telefone com a suposta responsável pela locação. Mas, na verdade, acabou vítima de estelionato, situação que resultou em prejuízo financeiro. Série de casos do golpe do aluguel já foram registrados no Litoral Norte entre o fim do ano passado e o início de 2021.
O que fez a secretária de 41 anos optar pelo anúncio foi o valor, mais acessível em relação aos demais. Pela estadia entre 30 de dezembro e 4 de janeiro, o pagamento seria de R$ 2 mil em uma casa ampla, com espaço para até 10 pessoas. O imóvel, com piscina e churrasqueira, fica localizado na Praia da Cal — a casa realmente existe.
— Os valores para aquele período estavam muito altos, por conta da data. Queríamos uma casa com piscina porque nossa ideia era não sair da residência, ficar só entre nós, que já convivemos durante esse período — relata a vítima, que preferiu não ser identificada.
Sem encontrar pelo aplicativo que costuma usar um valor que fosse viável, decidiu buscar no Facebook, onde localizou dois grupos com anúncios de aluguel direto com proprietários. Após comentar em uma das postagens, recebeu mensagem de uma mulher, que se identificava como responsável por um camping. Ela dizia que poderia intermediar o aluguel de casas em Tramandaí, Capão da Canoa e Torres. Um dos imóveis era o que a família buscava.
— Vi o valor e achei que era um preço justo. A diária seria uma média de R$ 333 — recorda.
A troca de mensagens com a mulher que se identificava como responsável pela parte burocrática deixou a secretária mais segura. Antes de fazer a transferência da metade do valor, exigência para confirmar o aluguel, fez vários questionamentos sobre a casa, e recebeu respostas convincentes.
A promessa era de que a casa possuía todos os itens necessários para a estadia. A golpista pediu dados como CPF, RG e CEP, informando que eram necessários para a confecção do contrato. "As chaves a proprietária vai lhe encontrar no dia para entregar e receber o restante do valor", escreveu.
— Tive de assinar um contrato, não parecia ter motivos para desconfiar — descreve a vítima.
Convencida, ela transferiu R$ 1 mil para garantir o negócio. Em 28 de dezembro, em um dos grupos no Facebook, leu a publicação de uma pessoa que afirmava ter sido vítima do golpe do aluguel. Minutos depois, descobriu que também havia sido enganada. Recebeu uma mensagem da golpista informando que o aluguel havia sido cancelado por desistência da proprietária. Quando buscou explicações, teve o número bloqueado no WhatsApp e não conseguiu mais contato naquele telefone.
O mesmo camping possui um site na internet, onde o número de telefone indicado é o que fez contato com a vítima. O telefone, no entanto, segue sem receber chamadas. O endereço do suposto camping fica no município de Tramandaí, também no Litoral Norte. O perfil no Facebook , em nome deste camping, foi excluído. Após o prejuízo, ela registrou o caso na Polícia Civil. Além disso, a família precisou encontrar outro local para passar a virada do ano.
— Felizmente, tivemos uma boa surpresa e encontramos um lugar maravilhoso para ficar, bem mais isolados, em Oásis (do Sul). Mas agora nunca mais alugo assim — garante a vítima.
Pelo menos 35 casos foram registrados nesta temporada
Em pelo menos três municípios do Litoral Norte foram registrados, entre dezembro do ano passado e o início de 2021, casos do golpe do falso aluguel. Foram comunicadas à Polícia Civil 19 situações em Capão da Canoa, nove em Torres e sete em Tramandaí, num total de 35.
— São nessas datas de maior movimento, quando os preços aumentam, que atraem as pessoas ávidas por uma ocupação. Encontram terreno fértil para esses golpes. Geralmente, eles usam preços um pouco mais baixos, para atrair as vítimas — explica o delegado Juliano Aguiar, da Delegacia de Polícia de Torres.
Acostumado a atender famílias inteiras que se desesperam em frente à delegacia de Tramandaí, o delegado Paulo Perez já conhece os detalhes desse tipo de crime.
O policial explica que a maioria dos casos só é registrado quando a família chega no Litoral e se depara com a casa já alugada ou descobre que o imóvel nem sequer existe. Esse hiato entre o pagamento da reserva e a descoberta do estelionato dificulta a investigação.
— Chega a família toda, preparada para passar dias na praia. Imagina: a família vem e quer descansar, juntaram um dinheiro com custo. Chega aqui e foi vítima de golpe. Meu único conselho é: aluguem por meio de estabelecimento oficial, uma imobiliária, para poder checar a confiabilidade — diz.
Nas sete ocorrências registradas em Tramandaí, os valores obtidos pelos estelionatários variaram entre R$ 500 e R$ 1 mil. Um dos pontos que chama a atenção é que em todos os registros os valores tiveram como destino contas bancárias longe do Litoral. Uma delas é de Salvador, na Bahia, outra é em São Paulo. Este é um ponto que complica a apuração, já que o estelionato deve ser investigado pelo órgão policial do local onde ele se concretizou. Na prática, a polícia precisa remeter o caso para esses Estados. As restantes foram no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Gravataí e Caxias do Sul.
O delegado viu ao longo dos anos os golpistas aprimorarem esse tipo de trapaça. Atualmente, eles costumam enviar documentos falsos, como forma de aumentar a confiabilidade.
— Em um dos golpes, o estelionatário falsificou até a conta de luz. Mandou junto, por WhatsApp, a imagem da conta, no endereço do imóvel, em nome dele. É uma montagem. Em outro, enviou contrato. Tudo para dar aparência de autenticidade. Estão cada vez mais criativos —alerta Perez.
Como agem
- Golpistas podem tanto criar falsos anúncios, com fotos de imóveis que não existem, quanto podem usar um verdadeiro como base
- Em geral, pedem a antecipação de 50% do valor, afirmando que é a forma de garantir a reserva
- Os depósitos são realizados em nome de laranjas
Dicas
- Se alugar diretamente com o proprietário, coloque no orçamento uma visita antecipada ao imóvel. Não alugue nada sem ter certeza de que está em contato com o dono do imóvel.
- As fotografias não são garantia de que o imóvel existe ou de que está nas mesmas condições do anúncio. Mais um motivo para buscar fazer uma visita antecipada.
- Pedir a metade do valor como entrada é uma estratégia comum entre esses golpistas, para garantir que receberá algo logo. Estelionatários costumam ter pressa para receber. Fique atento a esse comportamento e desconfie.
- Alugar diretamente com imobiliárias é uma das dicas para ter maior garantia sobre a negociação.
Os casos
- Tramandaí - 7
- Capão da Canoa - 19
- Torres - 9