Em um papelzinho guardado na agenda, Karuel Barbosa, 24 anos, anotou o que faria na quinta-feira, 4 de junho, e no dia seguinte. Malhar, entregar encomendas de perfumes e visitar as lojas para as quais divulgava produtos estavam entre as tarefas. Organizada, previa com horário marcado até a ida à casa de um familiar. Na lista, não estava a visita ao namorado, Adair Silva, 31 anos, em Araricá, naquela noite. A jovem já estava de pijama quando ele foi buscá-la. Poucas horas depois, enquanto jogavam videogame na sala do apartamento dele, os dois foram executados com quase 80 tiros — a polícia acredita que ele era o alvo.
Karuel vivia desde criança em uma casa simples com os pais em Campo Bom, também no Vale do Sinos. No mesmo terreno, em várias moradias, residem outros familiares. Os primos, com idades aproximadas, cresceram se tratando como irmãos. Quando pequenos, brincavam juntos no mesmo pátio. Era assim a relação que Naiara Peixoto, 25 anos, mantinha com a prima.
— Éramos muito apegadas. Karuel gostava das coisas simples, por isso que conquistou tanta gente. Não escondia onde ela vivia. Ela era de verdade. Era linda, realmente, onde entrava se destacava. Mas muito humilde e grata por tudo — descreve a prima.
As duas planejavam juntas abrirem uma loja online de roupas. Já sonhavam até com o nome, que levaria as suas iniciais: Moda Fit KN. Malhar e manter uma vida saudável eram hábitos de Karuel. Naiara a acompanhava na academia, mas mais por incentivo da prima do que por gosto.
Bonita, desde jovem Karuel era popular e nas redes sociais e passou a acumular seguidores. Para começar a divulgar produtos desse universo fitness foi rápido. No perfil que mantinha no Instagram, a jovem mostrava seu cotidiano.
Durante o período do distanciamento social, começou a ter ainda mais procura por parte das lojas e ganhou novos seguidores. Recebia produtos para divulgação quase diariamente. Em 16 de maio, posou animada para foto com balões dourados, em comemoração aos aguardados 70 mil seguidores. Após o crime, o número de pessoas acompanhando o perfil saltou para quase 100 mil.
— Karuel estava muito feliz, no auge de tudo que ela gostava. Era o que ela amava. E incentivava as outras meninas também. Queria muito que eu fosse influencer como ela. Que todo mundo crescesse também. Não via competição ou maldade. Queria o bem dos outros. Acho que ela não era feita para esse mundo — recorda a prima.
Além dos trabalhos como influencer e modelo, Karuel mantinha emprego como garçonete em um restaurante de sushi. Antes disso, trabalhou por três anos em uma indústria de couro. A jovem não escondia esse lado da vida nas redes sociais. “Vocês não podem acreditar em tudo que veem na internet”, alertava as seguidoras sobre a produção por trás das imagens.
— Onde ela passava iluminava a todos com sua simplicidade e coração enorme — recorda a prima Samanta Jacobus, 29 anos.
Após o crime, os familiares passaram a receber mensagens de seguidores, lamentando a perda. Karuel é lembrada como uma jovem batalhadora, carismática e humilde. “Era uma mulher, guerreira, que não tinha problema em acordar cedo para ir atrás do que queria”, descreveu uma das seguidoras.
— Sua beleza ia muito além da aparência. Era muito dedicada à família, atenciosa e amorosa com todos. Está fazendo muita falta — diz a tia Vanusa Felix, 44 anos.
“Me sinto destruída”, diz mãe
Na casa onde vivia com os pais, Isabel Felix, 42 anos, e Vilson Barbosa, 56 anos, Karuel dormia em um quarto pintado de lilás, com uma cama de solteiro. Mantinha colada uma fotografia de quando era adolescente e ao lado outra com o namorado. Na parede, mantinha ainda um quadro com o certificado do curso de maquiagem, que era um dos seus orgulhos. Isabel se considerava a admiradora número 1 da filha. As duas eram muito próximas. A mãe adorava exibir aos parentes e amigos os trabalhos da jovem. Era quem mais acompanhava a ida nas lojas e ajudava a produzir as fotos.
— Minha filha foi o melhor presente que Deus me deu. Só tenho a agradecer por uma filha obediente, carinhosa, dedicada e que sempre me ajudou. Está sendo muito difícil suportar essa dor de terem tirado minha única filha, me sinto destruída — desabafou a mãe em mensagem enviada a GaúchaZH.
Isabel era surpreendida com presentes que a filha sabia que ela gostava, como chocolates. Em maio, recebeu da jovem um quadro com foto das duas e uma mensagem onde ela lembrava que o Dia das Mães é todo dia. A industriária recorda que a filha se esforçava para dar mais conforto aos pais. Sempre ajudava em casa e chegou a reformar a moradia. Em homenagem à mãe, tatuou no braço a frase “Eu sou parte da sua vida e você é toda minha história”.
Entre os tios e primos, com quem convivia diariamente, é lembrada como uma pessoa amorosa, de sorriso contagiante e focada em buscar seus objetivos.
— Nós a amávamos e amaremos para sempre — diz a prima Micheli Silva, 31 anos.
Relação
Karuel a Adair se conheceram em uma festa há cerca de três anos. O namorado residia em Araricá, município de 5 mil habitantes a cerca de 20 minutos de carro de Campo Bom. A jovem costumava ir visitá-lo, mas como trabalhava, não permanecia muito tempo. Ela não demonstrava medo ou preocupação.
A Polícia Civil suspeita que o crime esteja vinculado ao tráfico de drogas — Adair tinha antecedente por porte ilegal de arma de fogo. A família relata que Karuel afirmava que o namorado dizia para ela que trabalhava com criptomoedas — a polícia diz que isso ainda está sendo apurado.
— Não sabemos o que motivou isso. Mas se ele estava envolvido, ela não sabia. Ela não dependia dele. Todas as primas foram criadas assim, trabalhadoras. Aquele dia, ela trabalhou a tarde toda, numa loja. Ela nem ia lá. Foi decidido em cima da hora. Talvez nem ele imaginasse que isso podia acontecer. Eles tinham uma relação tranquila, não brigavam. Ela era muito feliz com ele — descreve Naiara.
Na noite do crime, o casal estava jogando videogame no sofá, quando quatro homens armados com pistolas, espingarda e fuzil invadiram o imóvel. Após uma conversa de cerca de um minuto, os dois foram executados. O delegado Fernando Branco, que investiga o crime, acredita que o alvo era Adair e que a jovem foi morta porque estava no local com ele. Foram feitas buscas no imóvel, após o crime, e a polícia analisa imagens de câmeras de segurança.
— Seguimos apurando o caso, trabalhando, mas por enquanto sem novidades que possamos divulgar — afirmou nesta segunda-feira (8).
Despedida
O velório da jovem começou na sexta-feira (5) e o sepultamento foi realizado no sábado (6), em Campo Bom. Familiares, amigos e alguns seguidores compareceram à cerimônia de despedida.
— Não existe justificativa para o que fizeram com ela. Quero que justiça seja feita. Karuel foi uma grande perda para nossa família. Não queremos que isso aconteça para nenhuma família, queremos paz e segurança para todos — desabafa o primo Roniel Silva, 25 anos.
O caixão precisou permanecer fechado, com o rosto coberto. “Não precisa se preocupar, tu ainda é linda”, sussurrou Naiara, ao se despedir da prima durante o velório.
— Parece que eu sentia a dor dela. Por mais que ela não estivesse mais ali, me doía imaginar a dor que ela sentiu por alguém ter feito isso — relata a prima.