Um coronel da Brigada Militar, que é lotado na Secretaria da Segurança Pública, fez pesquisa a dados sigilosos do Sistema de Consultas Integradas para verificar se sócios de uma empresa dedicada à comercialização de bitcoins, a Indeal, estavam sendo investigados ou sob risco de serem presos.
A ação foi descoberta pela Polícia Federal (PF) durante a análise de mídias apreendidas na Operação Egypto, deflagrada em maio e que levou 10 sócios da firma para a prisão.
No material analisado, conversas entre uma advogada da empresa Veridiana Fumegalli Paiva e o coronel da BM Régis Rocha da Rosa chamaram a atenção dos investigadores. Por conta de uma suposta extorsão que estaria sendo praticada por policiais civis de Novo Hamburgo contra os empresários, a advogada procurou o coronel para pedir que ele verificasse se seus clientes estavam sendo investigados ou correndo risco de serem presos.
Isto porque um homem que se identificava como escrivão da Polícia Civil estaria enviando mensagens ameaçadoras aos sócios da Indeal. Ele pedia dinheiro para não executar supostas ordens de prisão e alegava estar com o salário atrasado.
As mensagens de WhatsApp apreendidas pela PF indicam que a advogada marcou encontro pessoal com o coronel, que é diretor do Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI) da SSP, para tratar do assunto. A reunião teria ocorrido na sede da SSP, em Porto Alegre. Depois da conversa, ocorrida em fevereiro deste ano, a advogada enviou mensagem a um dos sócios da Indeal atestando que fora feita pesquisa com os nomes de cinco sócios e que não havia nenhum risco de prisão.
O favor prestado pelo coronel, no entanto, não teria sido de graça. Em depoimento à PF, a advogada disse que depois de fazer a consulta e dar a informação de que os sócios da Indeal não estavam prestes a ser presos, o oficial da BM demonstrou interesse em saber como funcionava os investimentos na plataforma da empresa.
Ela teria avisado um sócio da Indeal que o oficial tinha interesse em investir em bitcoins. A advogada afirmou à PF que, "na busca de mostrar como a empresa funcionava bem, se adotou a ideia de disponibilizar R$ 10 mil ao coronel Régis junto à plataforma da Indeal para que ele visse como, de fato o dinheiro rendia". Ainda segundo a advogada, o oficial teria dito que devolveria os R$ 10 mil investidos em seu nome.
Coronel admitiu ter verificado informações no banco de dados da Segurança Pública
A PF ouviu o coronel Régis em 9 de setembro. Ele confirmou que foi procurado pela advogada da Indeal, que lhe disse que a empresa estaria sendo investigada pela PF e que os sócios estavam sofrendo tentativas de extorsão por parte de supostos policiais civis. O oficial disse que acessou o sistema Consultas Integradas para buscar alguma informação que pudesse ajudar na identificação dos supostos policiais. Régis ressaltou que não teria acesso aprofundado ao Consultas Integradas nem mesmo saberia da existência de ordens de prisão.
O oficial admitiu que "diante de tais circunstâncias e pretendendo dar auxílio aquela solicitação, eminentemente oficial, foi que efetuou tal consulta" e passou a resposta diretamente à advogada. Conforme ele, pela consulta não haveria nenhuma circunstância que justificasse o temor das ameaças (de prisão) supostamente feitas por policiais civis.
Depois da consulta, o coronel disse ter recebido da advogada nomes de um escrivão e de um delegado da Polícia Civil que estariam envolvidos no caso das extorsões e também a informação de que os sócios teriam feito um depósito de R$ 140 mil. A advogada não teria deixado claro se o dinheiro fora repassado a policiais.
O oficial da BM confirmou a aplicação de R$ 10 mil na plataforma da Indeal em seu nome. Mesmo sabendo que a empresa possivelmente estava sob investigação federal, o coronel disse ao delegado da PF que "pensou que seria uma boa opção investir, inicialmente, R$ 10 mil na empresa para ver se a mesma funcionava de forma correta". E confirmou que a advogada ofereceu fazer um aporte ela mesma em nome dele. Régis sustentou não entender que aquele "aporte" seria vantagem indevida, já que teve a intenção de devolver o valor.
Uma informação localizada pela PF nas conversas entre sócios da Indeal, no entanto, indica para versão diferente desta aplicação. Um dos sócios questiona sobre o que seria aquele valor de R$ 10 mil aplicado, e a resposta do outro empresário foi de que se tratava de pagamento por um "servicinho" do qual o coronel havia feito e que o mesmo havia optado por deixar o dinheiro investido.
Além do oficial da BM e dos policiais civis citados em depoimentos, a advogada também é alvo da investigação da Polícia Federal. Procurada, a PF disse que não fala sobre o caso.
GaúchaZH também procurou o secretário estadual da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Junior, que se manifestou dizendo que a pasta irá apurar o caso:
— Sei que há uma investigação sobre uso indevido de informações da SSP, mas não sabia detalhes. Até porque a investigação foi aberta pela Polícia Federal. Fui informado de que não há indiciamentos ainda e que o inquérito não está concluído. Se a gravidade dos fatos for comprovada, se algum policial trabalhou para a empresa ou extorquiu ela, todas as providências serão tomadas imediatamente, a começar pelas Corregedorias, que até agora não estão no caso.
Contrapontos
O que diz o coronel Régis Rocha da Rosa:
"Vamos falar mais ao final da tarde, por favor...estou em reunião na Secretaria, agora. Mas não tenho nada a esconder. O comandante da BM me chamou hoje para dar explicações e eu confirmei o que ocorreu, é o que eu disse na PF. Agora vou me defender no inquérito aberto pela BM, não pretendo mais me pronunciar para a mídia a respeito disso" (no depoimento aos federais, Régis falou que fez um favor a uma advogada que conhece há mais de 15 anos).
O que disse a advogada Veridiana Fumegalli Paiva:
Disse que preferia não se manifestar porque o caso tramita em segredo de Justiça.
Autor de mensagens enviadas aos sócios da Indeal se identificou como policial
Dois policiais civis, que atuariam em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, são citados em depoimentos por supostas tentativas de extorsão contra sócios da empresa Indeal. Eles teriam exigido dinheiro para não prender os empresários que, na verdade, eram alvo de investigação da PF e acabaram presos em maio, na Operação Egypto.
Ao analisar mídias apreendidas durante a operação, a PF encontrou em mensagens de WhatsApp referências a supostas ameaças de prisão que sócios da Indeal estariam sofrendo. Quando tomou os depoimentos de uma advogada da empresa e do oficial da BM que admitiu ter repassado informações do sistema Consulta Integradas a ela, a PF teve conhecimento dos nomes dos policiais suspeitos.
GaúchaZH não divulga a identidade deles porque esta parte da investigação ainda não avançou e os dois citados não prestaram depoimento ainda.
Mensagens entre sócios e deles com a advogada mostram que supostos policiais teriam exigido dinheiro para não prender os empresários. Um dos textos supostamente enviada pelo policial civil a um membro da Indeal diz:
"Serei claro, tenho como ajudar vocês, sou de uma DP (delegacia) perto de você...temos dois caminhos...o primeiro seria marcar um encontro ainda hoje sem falta, em frente ao seu escritório ou em sua casa, tenho todos seus endereços...vi que está com uma BMW branca, vem com ela na sua casa nova, OK"
Outra mensagem teria tom de ameaça:
"Já foi avisado um cara da tua empresa...sabe, tamo com salário parcelado, o que você pode nos oferecer? Posso te ajudar ou posso te ferrá (sic)... O que você acha melhor? Se nós for até vocês vai ser pior..."
O empresário da Indeal não compareceu ao encontro e, por isso, teria recebido nova ameaça:
"Boa noite...você deve se lembrar de mim, marcamos encontro em frente a seu escritório e você não compareceu. Esta será a última oportunidade de fazer acordo com a gente. Já poderíamos ter prendido vocês todos, porém, estamos segurando, podemos fazer um acordo e evitar a prisão de vocês. Então, amanhã vai sozinho nas bancas de NH. 12h...vai sozinho, estaremos monitorando você. Caso não compareça, quarta-feira iremos executar a prisão e aí não terá mais acordo".
A investigação da PF deverá verificar a origem das mensagens de WhatsApp e se realmente houve depósito por parte de sócios da Indeal para policiais.
A delegada Nadine Anflor, chefe da Polícia Civil, disse que ao saber do caso pela reportagem, "tomou todas as providências". Conforme Nadine, a Corregedoria foi acionada e já fez contato com a PF.
— A instituição está totalmente à disposição para começar investigação interna e sindicância administrativa, se for caso — explicou a delegada.