Em parceria com a socióloga Camila Nunes Dias, o jornalista e pesquisador no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo Bruno Paes Manso lançou, recentemente, o livro Guerra: a Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil. Nesta quinta-feira (29) uma palestra e um bate-papo com o jornalista antecederão a sessão de autógrafo do livro em Porto Alegre, na Vila Flores, na Rua São Carlos, 753, bairro Floresta, a partir das 19h. O jornalista Humberto Trezzi, do Grupo de Investigação (GDI) da RBS, participa do debate.
Doutor em Ciência Política e graduado em Economia e Jornalismo, Paes Manso pesquisa temas relacionados à violência e à criminalidade há quase 30 anos. O marco, segundo ele, foi 1999: naquele ano, o Estado em que mora, São Paulo, registrou um total de 35,2 mortes a cada 100 mil habitantes.
No mesmo ano, a Região Metropolitana da capital paulista teve 92 chacinas. Foram dois recordes negativos. Com o Primeiro Comando da Capital (PCC) monopolizando a massa carcerária e as atividades criminosas do lado de fora das prisões, o índice de homicídios caiu para menos do que 10 a cada 100 mil habitantes.
No livro escrito a quatro mãos, Paes Manso e Camila — outra pesquisadora da dinâmica da maior e mais poderosa facção criminosa do país — revelam as entranhas do PCC. Com relatos inéditos de integrantes da organização, eles mostram como o grupo se expandiu pelo país e se internacionalizou.
Os autores descrevem, também, como a facção passou a gerenciar o crime dentro e fora dos presídios paulistas e a contribuição disto para a brusca queda no número de homicídios no Estado, que no último ano foi de 7,54 casos a cada 100 mil habitantes. Por telefone, Paes Manso conversou com GaúchaZH.
Quando e por que surgiu o seu interesse pelo estudo dos casos de homicídios?
Comecei a estudar os homicídios em 1999, ano em que houve recorde deste tipo de crime em São Paulo e recorde de chacinas na Grande São Paulo. Predominava a impunidade, os homicidas matavam até testemunhas como forma de eliminar provas. Naquela época trabalhava para a (revista) Veja e entrevistei um autor de vários assassinatos. Ele me disse que nunca havia matado um inocente. Ou seja: para ele, e para muitos, não havia problema ou erro em matar pessoas envolvidas em crimes.
Quais os principais motivos de assassinatos naquela época?
Ocorriam principalmente vinganças de amigos e familiares. Quando alguém era morto, um parente ou amigo desta vítima ia lá e assassinava o matador. Isso acabava virando um círculo vicioso. Acompanhei conflitos que duraram mais de dois anos, com mais de 50 mortes, nessa dinâmica. Ao cometer o primeiro assassinato, o assassino passava a viver uma nova situação, sua vida passava a ser dominada pela insegurança e pelo medo de ser assassinado também. Quando matava, passava a ter uma elevada probabilidade de ser vingado. Era um processo de autoextermínio.
Como o Primeiro Comando da Capital (PCC) contribuiu para a mudança dessa realidade?
A partir dos anos 1990, no período pós (massacre do) Carandiru, a política de encarceramento foi ampliada em São Paulo, com a construção de presídios pelo interior. A população carcerária, que era de 30 mil, chegou a 230 mil. O Estado, com suas dificuldades, acabou terceirizando a gestão dos presídios. Diante das mazelas do sistema, o PCC se fortaleceu, argumentando, nas prisões e fora delas, que o crime fortalece o crime. Algo como "não somos os nossos inimigos, o nosso inimigo é o Estado", e "se a gente matar, será prejuízo, pois quanto menos guerra, melhor para os negócios". As mortes caíram do lado de fora, pois o PCC, com a hegemonia, define as regras, e quem descumpre é punido. Ou seja: a facção tem um mecanismo de controle e, dessa forma, obteve uma transformação absoluta nos números de homicídios.
Esse foi o único fator que fez cair o número de homicídios?
Em São Paulo houve uma transformação muito grande na segurança pública. Houve, por exemplo, um aumento nos flagrantes. São diversas variáveis que se articulam para resultar nesse fenômeno.
Como ficou o Estado diante do crescimento do PCC? Houve reação para estancar o crescimento da facção?
O Estado tentou, através do amedrontamento, do endurecimento de suas ações, mas produziu reação contrária. Os criminosos foram cada vez mais se articulando e o PCC, se fortalecendo. Como verdadeiros suicidas, ou homens-bomba, os criminosos adotaram posturas como "prefiro morrer antes dos 25 anos do que abaixar a cabeça". Também nas administrações estaduais sempre ocorrem divisões políticas internas, com divergências entre as diversas secretarias que respondem pela segurança pública e pelo sistema penitenciário. O PCC também se aproveita disso.
Enquanto o número de homicídios caem em São Paulo, crescem em outros Estados. Qual a explicação?
Nos casos de outros Estados, quando existe concorrência entre facções, a tendência é produzir violência. Ainda mais quando há proximidade com fronteiras, que facilitam a entrada de armas, como no Rio Grande do Sul. Nos casos do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Norte, me parece importante ainda a crise política do Estado, com ameaças de greves das polícias, falta de verba para abastecimento de viaturas e pagamentos de horas-extras para policiais, entre outros problemas. Se o Estado não prevalece, começa uma lei da selva, com os grupos criminosos usando a força para se impor.
Saiba mais
- O que: palestra e debate com o jornalista Bruno Paes Manso. Na sequência, sessão de autógrafos do livro Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil
- Quando: quinta-feira, entre 19h e 20h30min
- Onde: Vila Flores (Rua São Carlos, 753, bairro Floresta, em Porto Alegre)
- Quanto: Entrada franca, mediante inscrição