O esgotamento das vagas nas casas prisionais de Caxias do Sul é decorrência de uma decisão judicial de abril de 2017. Na ocasião, ao se deparar com até 17 detentos sendo mantidos em uma cela planejada para quatro pessoas, a juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó, titular da Vara de Execuções Criminais (VEC) há oito anos, estabeleceu um limite de pessoas que poderiam entrar no regime fechado. Com este teto alcançado, Caxias do Sul e outros cinco municípios vizinhos correm o risco de ter novos presos sendo mantidos em delegacias.
Na tarde de quarta-feira (11), a juíza Miline concedeu entrevista ao Pioneiro sobre o impasse nos presídios. Confira:
Uma decisão de um ano atrás e que chega ao seu limite. Como a doutora vê esse momento?
Efetivamente, todos nós sabíamos (que iria acontecer). Como disse desde o primeiro dia, a decisão dos 200% (de ocupação) não tem muita margem de flexibilidade, pois eu já havia, internamente, flexibilizado tudo que achava razoável. O fato de permitir que, em uma cela de quatro pessoas, entrassem oito já é uma concessão. Em janeiro deste ano, durante as minhas férias, já havia acontecido efetivamente de alcançar esse limite. Por uma orientação do colega que me substituía, houve um incremento de umas 20 vagas para não dar o estouro do limite. É uma situação pontual e, mais cedo ou mais tarde, acabaria acontecendo. Efetivamente o que acontece agora é o que estava se prevendo: os presos que não puderem entrar nos presídios serão recolhidos nas delegacias. Obviamente, é uma situação que é extremamente precária, mas permitir que em um presídio entre mais que o dobro de sua capacidade, na minha esfera de atuação, não haverá possibilidade de consenso ou de algum ajuste nesse sentido.
A senhora cita o dobro, mas o Apanhador não está neste limite.
Está em 175%, até um pouco a mais. Na decisão não consta, mas sempre referi a possibilidade, extraoficialmente, que se poderia ampliar até 200% por questões humanísticas. Por questões de segurança, no entanto, não estava dando essa possibilidade e arbitrava aquém (dos 200%). Para chegar neste percentual conversei com muitos colegas e pedi apoio oficial do GMF (Grupo de Monitoramento, e Fiscalização do Sistema Carcerário, do Tribunal de Justiça). Para chegarmos a estes 200% (no Apanhador), precisaria por parte da Susepe e da Secretária (Estadual) de Segurança (Pública) algum indicativo desses ajustes, o que acredito que a Susepe esteja fazendo. Poderiam ser mais agentes, mais horas extras ou até a liberação do pavilhão de trabalho. Até o momento, não veio nenhum pedido para que esse índice (de 175%) seja modificado.
A decisão sobre o limite tem quase um ano, ainda assim nada se resolveu no período. Onde está a falha do sistema?
O juiz da Execução (Criminal) não é um órgão do Poder Executivo que pode dar ordens para que algo aconteça. São questões que não são da minha esfera e preciso não tecer alguma justificava. É uma questão que precisa ser respondida pela Susepe e pela Secretaria Estadual. Sabemos que o Estado passa por dificuldades muitos grandes e vejo por parte da Susepe muita iniciativa para resolver.
Esse extremo chega por uma decisão judicial e muitas pessoas reclamam disto.
É atribuição do juiz da Execução Criminal impor requisitos para que o cumprimento da pena se dê de forma satisfatória. A decisão judicial também não é de iniciativa do próprio juiz, pois temos outros órgãos da execução penal que provocam o juiz. Não são decisões tomadas de forma temerária, mas sim amplamente justificadas. A capacidade do presídio é de 100%. Estou autorizando 200%, o que é muito além do razoável. Considerando as várias dificuldades e sabendo que a situação não é sequer boa, estou escolhendo um percentual ruim, talvez até péssimo, mas não o inadmissível. Só não estou admitindo o que realmente excede qualquer possibilidade de razoabilidade. O que tínhamos antes da decisão eram 16 em uma cela para quatro. Haviam pessoas que dormiam ao lado do vaso sanitário ou embaixo da janela sem nenhum tipo de contenção, ou seja, chovia em cima daquela pessoa. O juiz precisa se posicionar sob pena até de responsabilidade disciplinar, civil e penal, inclusive. Aquele contexto, naquele momento, era insustentável.
A decisão é baseada na dignidade dos presos?
A correta execução da pena, minimamente viável, e não uma tortura proporcionada pelo Estado. Quando entram os Direitos Humanos? Quando o Estado está sendo o opressor por ação ou por omissão. Se o juiz tem por obrigação zelar que a pena seja cumprida de forma razoável, digna, humana, válida... quando não o faz, está sendo o agressor. É neste momento que os Direitos Humanos aparecem. Quando o Estado se abstém da sua obrigação, e a obrigação do juiz da Execução Criminal é garantir um correto cumprimento da pena, outros entram neste espaço. Queiram alguns ou não, as pessoas que se encontram recolhidas no presídio são seres humanos. E um ser humano sempre vai buscar pela sua subsistência. Quando o Estado não fornece o básico, outros fornecerão — na maioria das vezes, facções criminosas. No Brasil acontece uma sistemática de cooptação para o crime que não acontece na maior parte dos países. O próprio Estado serve de RH (Recursos Humanos) para o crime. (O Estado) faz a seleção do público-alvo que vai entrar para a criminalidade. Porque, basicamente, essas condições básicas mínimas não são oferecidas para estas pessoas.