O Rio Grande do Sul é o segundo Estado do país com maior registro de chacinas. Em 2016, foram 26 homicídios com três ou mais vítimas, deixando 90 mortos no Estado — no ano anterior, foram registradas 15 chacinas, com 50 mortos. De acordo com o levantamento nacional que integra o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, somente o Rio de Janeiro, com 136 vítimas em 41 chacinas, está à frente na estatística que escancara o clima de guerra entre facções criminosas rivais. No ano passado, o RS ultrapassou São Paulo neste levantamento. Lá, houve metade das vítimas gaúchas neste tipo de homicídio.
O anuário foi apresentado na manhã desta segunda-feira (30) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com a constatação de que o Brasil chegou, em 2016, a um recorde de mortes violentas intencionais. Foram 61.619 casos. Em média, sete pessoas são assassinadas por hora no país.
— É a demonstração de que já atingimos um estágio acima da disputa territorial e comercial entre grupos de traficantes. Os homicídios não se limitam mais a um rival atacando o outro com um alvo determinado. São, em boa parte dos casos, criminosos levados de outra região, sem qualquer vínculo com o local que é alvo, muito bem armados e inconsequentes. Então, até existe um alvo, mas quem estiver junto é encarado por eles, naturalmente, como também vitima em potencial — explica o diretor de investigações do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Gabriel Bicca.
Segundo o delegado, a intenção na maior parte das vezes é a demonstração do poder de fogo de um grupo sobre outro. A tomada de pontos de tráfico virou objetivo secundário.
— Se formos analisar o público consumidor de drogas em um bairro como a Restinga, por exemplo, não haveria motivo para um grupo tentar tomar o ponto do outro. Cada boca tem sua lucratividade. Mas a questão não parece ser mais comercial — preocupa-se o delegado.
Bondes da morte
Conforme o levantamento do GaúchaZH, a Região Metropolitana concentra a maior parte dos casos de chacinas. Foram pelo menos 49 vítimas em 15 ataques. Foi assim na noite de 6 de junho do ano passado, no bairro Cidade Verde, em Eldorado do Sul.
Cinco homens foram mortos e um ficou ferido em um ataque a tiros que iniciou na esquina de um bar. Segundo a polícia, o local funcionava como ponto de tráfico, mas os homens mortos, incluindo um adolescente, não seriam os alvos do grupo de atiradores. Estes, teriam sido levados até lá por um comparsa, no que é conhecido como um bonde. Quatro homens foram denunciados pelo Ministério Público como autores da chacina. Todos eram integrantes de uma facção criminosa, e moradores da zona norte de Porto Alegre.
O crime foi gravado em áudio por eles. E demonstra uma característica comum às últimas chacinas no Estado. Ao retornarem ao carro para fugir do local, um dos criminosos questiona se as vítimas eram mesmo os alvos. Outro responde:
— Se não era, azar.
De acordo com a delegada Patrícia Sanchotene, inicialmente, a motivação deles era a vingança pela morte do irmão de um dos réus.
— Mas se tornou uma questão de demonstração de poder da facção mesmo. Queriam mostrar que são melhores armados e não poderiam ser desafiados — avalia a responsável pela investigação.
Para o sociólogo Rodrigo de Azevedo, que faz parte do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o dado das chacinas não chega a surpreender.
—Reflete bem o ambiente de guerra entre grupos criminosos rivais. O mercado da droga aumenta o seu poder com armamentos, diante da falência do Estado. O anuário é um retrato do desastre anunciado — critica.
Homicídios em alta
O anuário aponta o Rio Grande do Sul como o sétimo em números absolutos de homicídios, com 3.260 casos em 2016. Uma alta de 8,9% em relação a 2015. Porto Alegre, com 908 casos levantados pela pesquisa, tem o terceiro maior volume de homicídios entre as capitais, atrás somente do Rio de Janeiro e de Fortaleza. A Capital teve um crescimento de 21,7% de homicídios.
— Temos uma realidade de encarceramento em massa de pequenos traficantes. Até acontecem prisões de grandes líderes, mas faltam políticas prisionais adequadas, ações preventivas para cortar o ciclo das facções criminosas nas ruas, e não há um planejamento para o desarmamento. Uma solução necessariamente terá de passar por 2018, com as eleições — avalia Azevedo.
Para o delegado Gabriel Bicca, a discussão que precisa ser feita para reverter a alta de assassinatos passa pelo encarceramento correto.
— Não se pode mais admitir que um preso por furto caia em uma rede de controle e dependência da qual não tem como escapar dentro da prisão. E ali, fortaleça um sistema de poder do crime — afirma um dos responsáveis pela apuração de homicídios na Capital.
Pelo levantamento parcial do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, ao menos as mortes estabilizaram em 2017. Há uma queda em torno de 7% em relação aos índices de 2016.