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Crise financeira no Rio de Janeiro evidencia colapso das UPPs

Unidades da PM que deveriam se entrosar com a comunidade e ajudaram a reduzir homicídios, hoje assistem à guerra do tráfico

Humberto Trezzi

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CARL DE SOUZA / AFP
Militares do Exército ocupam a Rocinha desde sexta-feira

A cena não poderia ser mais emblemática: em frente a um posto da Polícia Militar na Rocinha, mais de 50 criminosos armados com fuzis e pistolas desfilam, em busca de seus inimigos. Os policiais? Ninguém viu, ninguém vê na filmagem. Isso aconteceu domingo passado, 17 de setembro, na maior favela do Rio — e do Brasil.

Os confrontos perduram há sete dias, mas não ocorrem só na Rocinha. No Complexo do Alemão (Zona Norte), o segundo maior local com UPPs, tiroteios aconteceram durante toda a última semana. Mas foi na Zona Sul, o cartão-postal do Rio, que "o bicho pegou", para falar em carioquês. Combates à luz do dia aconteceram nos morros Chapéu Mangueira (Copacabana) e Dona Marta (Botafogo), de frente para duas das enseadas mais conhecidas da metrópole.

Bandidos invadiram o asfalto na ligação entre a Rocinha e o Leblon, onde a classe A vai à praia, o que forçou interrupção do tráfego de veículos por quatro horas, desvios, congestionamentos infernais, que deram à cidade sensação de refém do banditismo. Escolas foram evacuadas. A normalidade terminou e o Exército foi forçado a intervir, com 950 militares patrulhando os locais conflagrados.

Chama a atenção que todos os tiroteios foram registrados em locais que eram dados como "pacificados" pelo governo fluminense. Neles, as facções não tinham mais presença ostensiva, até pouco tempo atrás. Isso porque desde 2008 o Rio implantou UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em 38 vilas e favelas (entre elas Chapéu Mangueira, Dona Marta, Rocinha e Complexo do Alemão). São postos policiais em que o PM se torna conhecido da comunidade, frequenta bailes, socorre gestantes, negocia o fim de brigas de família. A proposta é servir aos moradores, num contraponto à tirania dos traficantes. Funcionou, durante muito tempo. Basta conferir as estatísticas.

Em 2007, antes das UPPs, as 38 vilas e favelas registraram mais de 350 assassinatos. Em 2011, quando a maior parte das UPPs já estava implantada (dois terços delas), o número de assassinatos nesses locais caiu para pouco mais de 100 e nenhum policial foi morto. O vaivém de bandidos com armas pesadas sumiu do cenário das áreas pacificadas.

Mas o tráfico, sempre de olho nos lucros, começou a retomada gradual de influência nas 38 comunidades. Em 2015, foram 147 mortes nas áreas pacificadas, sendo 12 de PMs em serviço. O que houve?

Em parte, o poder público deixou de cumprir promessas que deveriam acompanhar as UPPs: quadras esportivas, centros de recreação, escolas de arte e incentivos profissionalizantes. Em todas as comunidades há um pouco disso, em nenhuma há tudo isso.

Para piorar, o governo do Rio de Janeiro quebrou _ e reduziu os investimentos em segurança e em todos os benefícios que estavam prometidos para acompanhar as UPPs. Só em agosto, o governo estadual fluminense pagou os salários atrasados de maio e junho. São quase 400 mil funcionários atingidos, incluindo policiais.

PM não pago faz o que? Bico, serviço informal. E a tendência a fechar os olhos para o crime é grande, analisa o sociólogo Guaracy Mingardi, ex-policial civil e consultor de segurança pública.

Em paralelo a isso, as três grandes facções criminais do Rio e uma de São Paulo retomaram a ofensiva para recuperar os morros da orla carioca, a região onde estão os turistas e o dinheiro. É por isso que as UPPs dessa área litorânea estão acossadas pelo banditismo, acrescenta o especialista.

— O projeto das UPPs se expandiu demais. Poderia ficar na metade do número atual, desde que consolidado, com investimentos na comunidade. Além disso, de nada adianta patrulhamento de PM sem investigação da Polícia Civil. Mas tudo isso, problema estrutural, sofreu colapso com a crise financeira. Agora não há dinheiro sequer para manter o projeto da pacificação, quanto mais para expandir — conclui Mingardi.


O COLAPSO EM NÚMEROS

A situação nas 38 comunidades que receberam unidades pacificadoras em três diferentes períodos:

2007 (antes das UPPs)

179 assassinatos comuns
180 mortes em confronto com policiais
Um PM morto

2011 (ano em que mais foram implantadas UPPs)

75 assassinatos comuns
38 mortes em confronto com policiais
Nenhum policial morto

2015 (início da crise financeira no Rio)

109 homicídios comuns
38 mortes decorrentes de ação policial
Doze PMs assassinados em áreas pacificadas

Fonte: Secretaria da Segurança Pública do Rio (SSP/RJ)

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