Quase 10 anos à frente da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro deram ao delegado federal gaúcho José Mariano Beltrame a experiência necessária para apontar problemas e soluções para conter a violência no país. Em junho, ele anteviu que o crime organizado avançaria pelas mãos da maior facção do Brasil, o PCC, que agora protagoniza uma guerra nas cadeias que tende a se espalhar pelas ruas.
Morando no Rio, mas fora do governo fluminense desde outubro, Beltrame, 59 anos, abriu uma empresa de consultoria e recentemente assumiu a presidência do Conselho de Gestão de Segurança Urbana da capital paulista. A seguir leia trechos da entrevista, por telefone, na qual ele defende a intervenção do Ministério da Defesa em ações de segurança e diz não ter sido ouvido pelas autoridades quando alertou para o perigo das facções.
O alerta feito pelo senhor de uma nova configuração do crime organizado no país provocou reação por parte das autoridades brasileiras?
Nenhuma. Não adiantou nada, infelizmente. Temos uma lei sueca, mas a nossa sociedade que não é sueca. Nosso nível de civilidade não condiz com isso, nem mesmo com a Constituição. Sei que apenas polícia não adianta, mas tem coisas que podem ser feitas, e que não são muito difíceis.
O PCC avançou com força para o Norte e o Nordeste e para a Rocinha, no Rio...
Está aqui (no Rio) estrategicamente, não ostensivamente. Não é perfil deles esse tipo de atitude. Agem muito mais estourando carro-forte, assaltando banco, comandando cadeias, fazendo o comércio, aquilo que dá dinheiro. Estão na favela fornecendo a droga. Ele está aqui, como está em vários lugares do pais como logística.
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O PCC vai dominar os presídios do país?
Acho que, de certa forma, já domina.
Como enfrentar as facções?
Não se pode jogar o problema para uma secretaria de segurança, para uma secretaria de administração penitenciária. O aumento da população carcerária, a maneira como os presos são tratados, isso facilita o diálogo no presídio e a organização entre eles. O sistema prisional é a verdadeira nitroglicerina (substância explosiva usada na fabricação de bombas). Tem de ter, urgente, uma inteligência prisional que retire os presos mais perigosos e os transfira para presídios federais. Esse é primeiro ponto. O segundo é construir 500 presídios no país. Qual Estado pode construir? É um problema difícil, e essa falta de horizonte nos deixa em situação delicada.
Qual reflexo da guerra das facções para a sociedade?
Vejo de maneira muito preocupante. E este é um assunto que não está na pauta do governo federal. Continua na mão dos Estados. Há necessidade de ações conjuntas, planejadas, organizadas, para mitigar esses problemas, pois acabar é muito difícil. Defendo o ingresso do Ministério da Defesa nessa luta. Não dá mais para dizer que não é minha função, que não é constitucional. Quando se quer mudar a Constituição, se muda até de madrugada. Passou da hora de acordar para esse problema (das facções). Não haverá desenvolvimento no Brasil sem segurança.