Os ladrões nunca estiveram tão ativos e violentos no Estado. É o que demonstram as estatísticas da Secretaria da Segurança Pública (SSP) sobre a criminalidade, divulgadas no início de agosto.
Zero Hora comparou o primeiro semestre de 2016 com os primeiros seis meses dos últimos cinco anos nos 10 municípios gaúchos mais populosos. O resultado é que crimes como roubo de carros e assalto à mão armada bateram recorde nas principais cidades (veja os gráficos abaixo).
Porto Alegre, que concentra mais de 10% da população gaúcha, registrou números recordes em todos os crimes violentos. Os 351 homicídios que aconteceram na cidade nos primeiros seis meses em 2016 representam crescimento de 52,6% no delito em cinco anos. Mas a alta mais expressiva e alarmante está nos latrocínios. Os roubos com morte dispararam 360% em meia década.
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O padrão comum às grandes cidades está na escalada dos assaltos em geral (contra pedestres, transporte coletivo, residências e comércio). Além da Capital, o crime também atingiu o ápice em outras oito cidades: Caxias do Sul, Canoas, Santa Maria, Gravataí, Viamão, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Pelotas.
O aumento mais significativo se deu em Gravataí. No município da Região Metropolitana, os assaltos quase triplicaram em cinco anos. Em seguida, aparecem Santa Maria, onde o crime cresceu 153,5%, e Viamão, com um salto de 152,3% no delito.
Também tornaram-se mais frequentes os roubos de veículos. Em sete das 10 cidades, os assaltos contra motoristas chegaram ao maior patamar desde 2012. A marca negativa fica para São Leopoldo, onde se registrou a mais expressiva das altas: 142,9%. Em seguida, está Santa Maria. Foram roubados na cidade 14 veículos no primeiro semestre de 2012, contra 32 no mesmo período deste ano – crescimento de 128,6% no crime.
Há uma série de fatores que contribuem para o aumento dos crimes. A rotina de retrabalho da Brigada Militar (BM) e da Polícia Civil, em função da flexibilização das leis penais, são algumas das justificativas da SPP. Policiais costumam enumerar casos em que prenderam a mesma pessoa pelo mesmo crime mais de uma dezena de vezes, tenham elas sido colocadas em liberdade pela progressão de regime ou pela falta de vagas em presídios.
Posse de armas contribui para aumento de roubos, diz especialista
Outro fator que também teria influenciado a escalada da criminalidade, segundo a secretaria, seria a crise financeira pela qual passa o país e que provocou alta no desemprego. Já o analista criminal Guaracy Mingardi, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, descarta a hipótese. O especialista indica que a recessão apresentaria reflexos na criminalidade somente a longo prazo, porque dificilmente um trabalhador optaria pelo crime pouco tempo depois de perder o emprego.
– O aumento nos roubos depende de vários fatores. O primeiro deles é a posse de arma de fogo. A campanha de desarmamento retirou muitas armas de circulação, mas os estoques se recompõem pouco a pouco. O segundo está no trabalho da polícia, que tem atuado basicamente em prisões em flagrante, porque as investigações são malfeitas ou não são feitas. Para se prender o ladrão profissional, tem de se investigar. Em flagrante, normalmente se prende o ladrão iniciante, que é mandado à cadeia, onde ele se torna um profissional – indica Mingardi.
Na contramão dos roubos (quando há violência), os furtos (sem violência) em geral estão em queda. No primeiro semestre de 2016, Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Rio Grande e Pelotas tiveram o menor número em cinco anos. O padrão se repete no furto de veículos.
Policiais consultados por ZH constatam que os ladrões tendem a trocar cada vez mais o furto pelo roubo. A mudança de perfil aconteceria por uma razão simples: os carros modernos têm dispositivos antifurto e, hoje, para que um veículo seja arrombado, é necessário danificá-lo ou atacar o proprietário do automóvel.
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Assassinatos aumentaram em sete das maiores cidades
Considerado indicador universal para medir a violência urbana, o número de homicídios aumentou em sete municípios em cinco anos, enquanto apresentou queda em outros três.
– Essa variação indica que existem políticas públicas municipais que conseguem levar à redução, porque a BM é estadual e a situação econômica também. Há uma territorialização dos homicídios. Não acontece um em cada esquina, são muito localizados. Por isso, deveria haver políticas de controle social – observa José Vicente Tavares, sociólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Repressão a desmanches, a aposta do Estado
O secretário da Segurança Pública, Wantuir Jacini, aposta em uma receita para tentar conter a atividade dos ladrões, sobretudo os que levam veículos: a repressão aos depósitos ilegais de autopeças. A Operação Desmanches começou em março, três meses depois de o governador José Ivo Sartori sancionar a nova lei que instituiu ferramentas mais eficientes de fiscalização e inibição do ilícito.
– Nos primeiros três meses do semestre, não existia essa operação. Ela está apresentando excelentes resultados, mas só será possível mensurar a partir da segunda metade do ano. A questão de roubo e do furto de veículos está vinculada à receptação. A Operação Desmanche, nesses três meses, reduziu furtos e roubos, assim como também diminuiu latrocínios. Não é muito visível, porque são só três meses. Esses resultados ficarão visíveis em um tempo maior, em um ano. A ação está atingindo os objetivos – acredita Jacini.
O secretário ressalta que, mesmo diante de dificuldades orçamentárias, o governador autorizou investimentos de R$ 166 milhões na segurança pública. Desses, R$ 52 milhões destinam-se ao pagamento de diárias e horas extras para incremento no policiamento, principalmente em municípios da Região Metropolitana.
Conforme a Secretaria, o reforço deve duplicar o número de PMs no eixo Porto Alegre-Novo Hamburgo, por meio do remanejo de homens da Capital e do Interior, e intensificar a Operação Avante, ação que teve início em janeiro deste ano na tentativa de combater os crimes mais comuns nas áreas mais vulneráveis do Estado.
O desembolso da verba integra a segunda fase do Plano Estratégico de Segurança Pública, lançado há pouco mais de um mês.
O programa também prevê a convocação de novos policiais civis e militares e a abertura de concursos para a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e do Instituto-Geral de Perícias (IGP).