Silvia Sperling Canabarro, nutricionista e mãe de um menino autista
Quando Otávio tinha dois anos e o diagnóstico de autismo desabou sobre nossas vidas, uma de nossas preocupações foi a sua inserção na vida escolar. Nessa época, lembro que, apesar de algumas recusas de ingresso apoiadas em explicações singelas, não considerei uma tarefa difícil encontrar uma boa escola que o acolhesse. Assim, na educação infantil tivemos a sorte de contar com algumas professoras envolvidas em incluir meu filho e auxiliá-lo no processo de aprendizagem. Nesses anos iniciais, os docentes já contavam com o apoio de uma monitora específica para ele, custeada por nós, pais, que, considerando (erroneamente) a aceitação de nosso filho uma ação benevolente por parte da instituição, nos curvávamos a todas as solicitações impostas pela diretoria.
Já na Educação Fundamental, percebi a esdrúxula condição que aceitávamos para nosso filho permanecer em uma conceituada escola regular privada. O manejo e o processo educativo de Otávio passaram a ser competência da estagiária, que se tornou nossa funcionária, por imposição da escola que não quis contratar a profissional. Rebelei-me e escrevi sobre a amargura dessa falsa recepção e aceitação do aluno especial em sala de aula. Como consequência desse desabafo sem nenhuma referência explícita aos envolvidos, veio a expulsão de Otávio.
Então, após sete anos na renomada escola, deparei com a dura realidade do sistema educacional. Só consegui entrevistas inquisitivas e massacrantes, que expunham as fragilidades de meu filho e me revelavam a indisponibilidade das instituições em aceitá-lo. Com perseverança e desprendimento, busquei alternativas na rede pública e fui surpreendida pelo belo trabalho realizado em uma escola de periferia, onde não faltou boa vontade para, não somente acolhê-lo, mas efetivamente incluí-lo.
Foram dois anos de alegrias e conquistas, mas com a chegada dos 13 anos do Otávio e com sua lenta evolução cognitiva e discrepância intelectual em relação aos colegas, tomei a difícil decisão de transferi-lo para uma escola especial. Talvez fosse interessante um local preparado desde a concepção para receber o aluno com necessidades especiais, com a metodologia coerente às suas especificidades e profissionais treinados para auxiliá-lo no despertar de suas potencialidades e aptos a manejar as intercorrências inerentes à sua patologia.
Essa inferência foi revelada verdadeira. As escolas especiais municipais de Porto Alegre são tesouros abandonados, com seres humanos preciosos que despendem sua energia, capacidade intelectual e afeto em prol dos indivíduos com deficiência. Mas, assim como toda a rede pública encontra-se sucateada, as escolas especiais não diferem desta realidade. No local onde mais são necessários recursos humanos faltam profissionais e atrasam-se verbas. Meu filho foi recebido maravilhosamente, mas com a frequência limitada a três vezes por semana com a duração uma hora e 45 minutos o turno. Essa estratégia, tida como forma de adaptação ao novo ambiente, duraria um breve período. Porém, após dois meses nesse esquema, revela-se a notícia de que houve redução no quadro funcional da escola e sua frequência permanecerá em três dias da semana, com o aumento de 30 minutos.
Decido então utilizar novamente minha ferramenta, a escrita. Preciso expor minha indignação com o descaso da gestão municipal e o abatimento frente a esta incansável luta pelo direito à educação de meu filho. Meu marido e eu fazemos o que está ao nosso alcance, mas a lacuna em seu processo de aprendizagem não podemos preencher. Não tenho formação pedagógica para exercer o papel de professora. Já tento fazer o meu melhor como progenitora, e o faço de maneira bem precária, pois ser uma mãe exemplar de autista é atuação merecedora de Oscar. Mas esse papel cabe a mim e não posso delegá-lo. Por que o Estado delega o seu papel de garantir a educação de meu filho a mim? O que faço com ele no tempo restante em que ele se encontra sem escola? Terei de me resignar e assumir que ele é um empecilho para a rede pública e privada de educação?
Meu filho precisa ter garantida a carga horária escolar como todos os estudantes normotípicos. E se a educação é para todos, os jovens com necessidades especiais devem ser incluídos de forma concreta e efetiva na rede. Esse é um direito constitucional que infelizmente precisa ser reivindicado de maneira sistemática e emblemática, para tornar-se uma realidade em nosso país.