Um grupo de cientistas brasileiros identificou pela primeira vez problemas oculares causados pelo zika em adultos. Em estudo publicado nesta quarta-feira, na revista científica The New England Journal of Medicine, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descrevem o caso de um homem de cerca de 40 anos que teve sintomas de zika associados a uma inflamação no interior dos olhos conhecida como uveíte.
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Em estudo anteriores, outro grupo de cientistas brasileiros já havia mostrado que um terço dos bebês com microcefalia causada pelo zika tem problemas oculares. O mesmo grupo, liderado por Rubens Belfort Júnior, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicou, no fim de maio, estudo que comprovou definitivamente a relação entre a infecção pelo vírus e uma série de distúrbios graves nos olhos dos bebês.
O novo estudo, liderado por João Marcello Furtado, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, mostra pela primeira vez que o zika também está associado a uma inflamação intraocular em adultos. Segundo Furtado, até agora a comunidade científica pensava que o vírus adquirido causava apenas conjuntivite, embora o zika congênito causasse problemas oculares mais graves.
– Essa é uma manifestação nova e potencialmente mais grave do quadro ocular. Pela primeira vez na literatura científica, está descrita o zika adquirido em associação com inflamação dentro do olho. Eram conhecidas somente as alterações oculares causadas pelo zika congênito, aquela em que os bebês podem desenvolver lesões graves e permanentes – disse Furtado.
De acordo com Furtado, o estudo também marca a primeira vez em que o material genético do vírus foi isolado a partir de amostras de líquido do interior do olho – o chamado humor aquoso, que fica na câmara anterior do olho.
– Essa é uma demonstração de que o vírus pode ultrapassar as barreiras que protegem o olho contra infecções – afirmou o cientista.
No caso estudado, um homem de cerca de 40 anos, atendido em janeiro deste ano em Ribeirão Preto, apresentou sintomas compatíveis com o zika, associados a olhos vermelhos. Inicialmente, os médicos – e também o paciente – acreditaram que se tratava de uma conjuntivite. Mas a avaliação oftalmológica mostrou a presença de uveíte. Além de Furtado, participaram da pesquisa Benedito Antonio Lopes da Fonseca, Tomás Teixeira Pinto, Taline Klein e Danillo Espósito, todos ligados à FMRP.
Furtado afirma que as uveítes podem ser causadas por agentes infecciosos – como vírus, bactérias ou protozoários – ou por doenças autoimunes. Pela suspeita de que essa inflamação era causada pelo zika, foi coletada uma amostra do humor aquoso.
– Os exames de sangue do paciente deram positivos para zika e, para nossa surpresa, a amostra do material intraocular também continha material genético do vírus.
Segundo o cientista, o olho direito do paciente tinha uma inflamação leve oito dias após o início dos sintomas. Na semana seguinte, verificaram inflamação moderada no olho esquerdo, mais intensa do que a do olho direito. No momento em que a inflamação no olho esquerdo foi detectada, a visão desse lado piorou 50%, segundo Furtado.
– A visão do olho esquerdo já era pior desde criança. A inflamação deste olho rebaixou a visão temporariamente. Mas, após tratamento, voltou ao que ele considerava normal para este olho. O olho direito ficou com acuidade visual sem alterações – disse o cientista.
O paciente foi tratado com colírio a base de corticoide, tratamento padrão para os casos de uveítes. Segundo Furtado, a inflamação dentro do olho, na parte anterior, tem como possíveis complicações o desenvolvimento de catarata e aumento da pressão do olho. Caso essas complicações ocorram de maneira prolongada, podem levar ao desenvolvimento de glaucoma, por isso a necessidade de tratamento imediato e adequado.