Em tempos de epidemia do zika vírus, um grupo de pesquisadores brasileiros ligados a Fiocruz e a universidades federais afirma que o sucesso no combate à doença e aos demais vírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti (dengue e chikungunya) exige um plano de ação nacional de base científica.
Os pesquisadores listam seis eixos de atuação, que vão desde o controle do mosquito até a criação de um protocolo de tratamento, além do desenvolvimento de testes confiáveis e de uma vacina contra a doença.
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O trabalho, publicado no jornal científico inglês The Lancet, é assinado por oito autores: os pesquisadores da Fiocruz Mauricio Barreto, Manoel Barral-Netto, Rodrigo Stabeli, Paulo Buss e Paulo Gadelha, além de Pedro Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas, Naomar Almeida-Filho, da Universidade Federal do Sul da Bahia, e Mauro Teixeira, da Universidade Federal de Minas Gerais.
No texto, os pesquisadores fazem um breve histórico das doenças transmitidas pelo Aedes e lembram que desde 1981 a população brasileira tem sofrido com epidemias de dengue, mas todos os esforços de controle têm sido infrutíferos.
A pedido da BBC Brasil, um dos autores do estudo, o epidemiologista Mauricio Barreto, pesquisador da Fiocruz na Bahia, detalhou o passo a passo das propostas para uma agenda científica de combate ao Aedes e ao zika vírus. Estudioso há mais de 20 anos do vírus da dengue, Barreto diz que é preciso dar uma resposta à sociedade, ansiosa diante de uma epidemia pouco conhecida, mas alerta: o conhecimento sobre o zika vírus ainda é escasso. Resultados científicos exigem investimento e devem demorar.
Os seis eixos
1) Aumentar o conhecimento sobre a infecção
Apesar de ser conhecida há várias décadas, a zika foi pouco estudada. O conhecimento científico sobre suas causas e implicações está emergindo de modo vagaroso.
– Estamos numa fase de conhecimento escasso sobre o problema – admite o pesquisador, lembrando que, apesar das evidências, uma associação causal entre zika, microcefalia e dano cerebral em recém-nascidos não foi estabelecida de modo conclusivo. – É a hipótese mais provável com que se trabalha.
No artigo, os pesquisadores afirmam que, em fevereiro de 2016, uma retrospectiva sobre dados da microcefalia no Nordeste mostrou picos sazonais não detectados de microcefalia datados pelo menos de 2012, e um número mais alto de casos severos a partir de 2013 – o que é congruente com padrões de distribuição sazonal do Aedes, mas começou antes da primeira detecção de zika no Brasil.
– Estamos propondo uma grande pesquisa envolvendo mulheres com e sem zika durante a gravidez para investigar a fundo essa possibilidade – afirma Barreto.
O artigo afirma, ainda, que é preciso criar um time multidisciplinar, com clínicos, epidemiologistas, neonatologistas, geneticistas, neurologistas, patologias, radiologistas, obstetras e antropólogos para gerar e analisar os dados e permitir um esclarecimento rápido de vários aspectos desconhecidos relacionados a relação entre o zika vírus, microcefalia e dano cerebral.
2) Desenvolver um sistema de testes rápidos e confiáveis
Atualmente, o diagnóstico de zika se apoia na detecção do RNA viral, presente apenas num breve período do desenvolvimento da doença. Como o quadro clínico é pouco específico, muitos casos permanecem sem diagnóstico. O teste sorológico também é muito caro.
Barreto diz que é preciso pesquisar em busca de testes sorológicos específicos, confiáveis e mais sensíveis, sem ou com mínimas reações cruzadas com outras infecções, particularmente dengue e febre amarela.
3) Controlar a infestação pelo Aedes aegypti
Em poucas palavras, a proposta é matar o mosquito e reduzir os focos de infestação para conter a transmissão. Ou, no jargão científico, controlar os "vetores" para bloquear a proliferação do vírus e o adoecimento da população.
– Mas está sendo complicado fazer isso – afirma Barreto.
O estudo diz que, apesar do controle do Aedes ter sido prioridade no Brasil, o sucesso das iniciativas nessa área ainda é limitado.
Além disso, também preocupa o fato de o vírus ter sido detectado em fluidos como sêmen, saliva e urina – o que sugere que podem haver outros mecanismos de transmissão além da picada do mosquito.
– Não temos muito claro o que fazer. Não é trivial controlar o mosquito, já que as condições urbanas facilitam a proliferação do Aedes – diz o pesquisador da Fiocruz.
Estudos mostram novos caminhos para o controle de vetores – do gerenciamento ambiental ao uso de mosquitos transgênicos, passando por ações que contam com a participação da população. Segundo os pesquisadores, a integração de alguns desses métodos e, a médio e longo prazo, melhorias no ambiente urbano, são medidas necessárias.
4) Definir protocolos de tratamento
É preciso definir os protocolos para o tratamento dos casos de zika e também para a prevenção das consequências da má-formação fetal. Hoje não há tratamento comprovado para o zika, e quaisquer tratamentos novos têm de ser seguros para as grávidas.
– Esse é um grande desafio para a comunidade científica. É preciso criar um protocolo de ação. E também um esquema para que as crianças com microcefalia sejam acompanhadas e tratadas, permitindo um dimensionamento do problema – diz Barreto.
5) Iniciar o trabalho de base para o desenvolvimento de vacinas
Diante das dificuldades de se controlar o mosquito, o desenvolvimento da vacina contra o zika parece ser essencial para o controle de longo prazo. Mas o estudo não esconde um pouco de ceticismo sobre o tema:
"A insuficiente informação sobre os mecanismos imunológicos envolvidos na infecção e as experiências prévias com a dengue são razões para o ceticismo sobre a probabilidade de uma vacina (contra o zika) ser desenvolvida em breve”.
Barreto lembra que, passados mais de 20 anos de estudos do HIV, ainda não há vacina contra esse vírus. Para a dengue, algumas vacinas estão em estudo.
6) "Reprogramar" o atual sistema de saúde
Diante dos casos de zika, o sistema de saúde deve estar capacitado a orientar a população sobre, por exemplo, o risco de se engravidar nesse momento, ou como agir no caso de se ter um bebê com microcefalia.
– O momento é de perplexidade e cautela – afirma Barreto.
Será fundamental definir quais os recursos, treinamento, capacitação e financiamento adequados. A cooperação internacional, a criação de fundos específicos, um grande nível de coordenação e um esforço maior das agências reguladoras são passos necessários para o desenvolvimento de soluções efetivas dentro de um tempo razoável.
O estudo reitera a necessidade de um esforço científico concentrado, envolvendo governo, instituições de saúde pública, agências de financiamento, institutos de pesquisa, comunidades profissionais e científicas, além da sociedade civil.
*BBC Brasil