Ao que tudo indica, foi durante uma competição esportiva - não se sabe ao certo se a Copa do Mundo ou o mundial de canoagem realizado no Rio de Janeiro em 2014 - que o zika vírus entrou no Brasil, trazido por atletas ou turistas estrangeiros.
Passados dois anos, um outro evento esportivo - o maior de todos, na verdade - ameaça reexportar o vírus, transformando-o em um problema de escala global. À medida em que se aproxima a data de início dos Jogos Olímpicos do Rio, 5 de agosto, o alarme soa mais alto dentro e fora do país.
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Nos últimos dias, enquanto autoridades brasileiras anunciavam medidas para tentar conter a circulação do zika durante os Jogos, a imprensa internacional despertou para a dimensão do risco, comitês olímpicos começaram a traçar estratégias para a proteção de seus atletas e organizações de saúde lançaram alertas sobre as consequências que uma viagem ao Brasil pode representar, especialmente para as gestantes.
A preocupação é com o potencial explosivo representado pela presença simultânea, em uma cidade assolada pelo Aedes aegypti, de milhares de atletas e de turistas de todos os países do mundo, durante mais de duas semanas. Especialistas consideram inevitável que muitos forasteiros sejam picados e adoeçam - de dengue, de febre chikungunya ou de zika - ainda durante o período de realização dos Jogos. Esse é um perigo.
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Outro, mais assustador, é que essas pessoas voltem aos seus países sem sintomas, mas com o zika, a dengue ou a chikungunya na corrente sanguínea, permitindo a introdução dos vírus em outras partes do planeta - o Aedes é encontrado hoje em boa parte do território mundial.
- Nas condições atuais, o risco de disseminação já é considerável. Com os Jogos Olímpicos, torna-se ainda maior. Acho que a proliferação é inevitável. A dúvida é se as taxas vão ser baixas ou altas - avalia Nancy Bellei, coordenadora do Comitê de Virologia Clínica da Sociedade Brasileira de Infectologia.
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A especialista observa que o nível de contaminação de forasteiros pode ser alto porque, como muitos deles virão de países que nunca tiveram contato com o zika, estarão mais suscetíveis à infecção. Há um outro detalhe importante. Quando os turistas do Hemisfério Norte que vierem para a Olímpiada voltarem para casa, será verão em seus países. Nos períodos mais quentes do ano, a quantidade de mosquitos se multiplica. E o risco de que algum deles pique uma pessoa infectada e passe a transmitir o vírus torna-se muito maior.
- O risco é para as regiões do mundo onde existe o Aedes. O problema é os viajantes levaram o zika para esses lugares. A infecção pode ocorrer no Brasil. O grau de epidemia que a gente vem registrando dificilmente vai ter algum controle importante no curto prazo - diz Belley.
Com o crescimento da preocupação internacional, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos começou a se mexer. A entidade informou a Zero Hora que os locais de competição serão inspecionados diariamente durante os eventos, com o objetivo de erradicar poças dágua. O comitê afirma ainda que já está em contato com o Ministério da Saúde e o governo fluminense, de forma a adotar "medidas de prevenção e controle do vírus".
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A preocupação com a poluição das águas da Baía de Guanabara ou com eventual atraso em obras de equipamentos esportivos passaram para um plano secundário na agenda das autoridades olímpicas internacionais. O tema do momento é o zika.
O Comitê Olímpico Britânico anunciou que monitora a situação sanitária brasileira e que começou a trabalhar em parceria com a London School of Tropical Medicine para incorporar, na preparação dos atletas, treinamento sobre como evitar as picadas do Aedes aegypti.
Nesta quarta-feira, o Comitê Olímpico Australiano também se manifestou sobre o surto no Brasil, alertando as atletas do país para os riscos que correm caso viajem para o Rio. "Alguma integrante da equipe que esteja grávida na altura dos Jogos tem de avaliar os riscos com muito cuidado antes de decidir se mantém a viagem", afirmou o comitê, em um comunicado.
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Além da preocupação das entidades olímpicas, governos da União Europeia, do Canadá e dos Estados Unidos também lançaram alertas sobre a situação do zika no Brasil, orientando as grávidas a não viajar. Apesar desse cenário, há a expectativa de que a vinda de atletas e turistas ao Rio não seja afetada.
De acordo com Lamartine da Costa, pesquisador do Comitê Olímpico Nacional, situações do gênero são usuais em todos os Jogos. Ele cita como exemplo os temores a respeito da poluição do ar, que marcaram os Jogos de Pequim (2008), e as questões envolvendo homofobia associadas aos Jogos de Inverno de Sochi (2014), na Rússia.
- O porte desses eventos é tão gigantesco que é difícil acontecer algo que prejudique. Nos Jogos Olímpicos, há uma tradição de sempre aparecerem preocupações, porque a cidade-sede vira o principal assunto mundial durante 15 dias. Por isso, é natural que o zika tenha muita repercussão. O importante é a organização tomar providências. Acredito que vai ser como na Copa do Mundo em relação à segurança, que era a grande preocupação. O governo se mobilizou, e funcionou - afirma Costa.
Inspeções diárias em locais dos Jogos
Em meio à repercussão internacional negativa, a prefeitura do Rio de Janeiro anunciou no começo da semana uma série de medidas com o objetivo de combater o Aedes aegypti e impedir a transmissão do zika durante os Jogos Olímpicos. A iniciativa ocorre em um momento no qual agentes de turismo europeus começam a manifestar o temor de que ocorram cancelamentos de reservas, motivados pelo risco que uma viagem ao Brasil representaria para a saúde.
As medidas da prefeitura carioca voltadas para a Olimpíada começariam em abril, com vistorias nos locais que receberão os atletas e o público. A meta é identificar focos do Aedes e evitar que as obras, em fase final, não contribuam para a proliferação do mosquito. Quando a data de início dos Jogos se aproximar, as inspeções passarão a ser diárias.
A prefeitura também anunciou que vai posicionar pelo menos um agente de vigilância ambiental e de saúde em cada instalação olímpica. As autoridades também não descartam a necessidade de borrifar inseticida com caminhonetes, mesmo que o evento ocorra no inverno, momento de queda na circulação do mosquito.
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Na quarta-feira, no Equador, a presidente Dilma Rousseff também prometeu a intensificação das ações do governo federal.
- Vai ser um combate casa a casa, em que o governo vai colocar extremo empenho. A melhor vacina contra o vírus da zika é o combate de cada um de nós, do governo, mas também da sociedade - declarou.
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Por enquanto, o setor turístico fluminense não enxerga sinais de que a epidemia possa afastar turistas do Rio durante o período dos Jogos.
- A gente sabe que vários países emitiram alertas, mas o governo finalmente acordou. As medidas estão sendo tomadas. Até o momento, não houve pedido de cancelamento - disse a presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) do Rio de Janeiro, Cristina Fritsch.
As companhias aéreas TAM, LAN, Gol e United Airlines confirmaram que grávidas com passagens aéreas para locais com casos comprovados de zika poderão pedir reembolso ou reagendar voos.