Sempre que vai começar uma turma nova na faculdade, há uma ansiedade mal disfarçada porque não há como antecipar o nível de aceitação e o grau de empatia que se estabelecerão, ou não, com os desconhecidos que substituíram a turma anterior que recém partiu, deixando a saudade dos afetos sedimentados. Naquele fevereiro, finalmente chegou uma turma antecipada como terrível pelos professores que me antecederam, e não havia nenhuma dúvida de que, com aquele grupo, seria diferente. As roupas extravagantes, as bermudas coloridas, o jeito displicente de sentar, os pés apoiados nos braços das cadeiras da frente, tudo corroborava a fama construída com as outras disciplinas e, claramente, havia um ar de desafio no somatório das atitudes.
A experiência dizia que alguma medida agressiva tinha de ser tomada antes que a relação incipiente degringolasse. E então, o impulso: "Alô, pessoal, afora a pretensão de ensinar os preceitos básicos da cirurgia torácica, tenho uma curiosidade sobre o tipo de aluno que atualmente procura a nossa universidade, depois que os variados critérios de seleção têm trazido para cá candidatos mais variados em formação e origem. Para responder a essa questão, gostaria que vocês assumissem aqui, na sala de aula, a mesma postura que adotam nas suas próprias casas, e rapidamente saberei da raiz social de vocês".
A transformação foi instantânea. Sem tempo de organizar a resposta diante da provocação, todos assumiram uma postura condigna com estudantes de nível superior de uma universidade federal, e a imagem da marginália incontrolável desapareceu. Foi uma das melhores turmas que já tive, o que era previsível: esses tipos "marca diabo" em geral são inteligentes, e dado um destino à rebeldia desorientada, eles se revelaram criativos, determinados e solidários, contribuindo muito com alguns programas que desenvolvemos na área da doação de órgãos.
A Gabriela foi a exceção. Apática o tempo todo, era a única que se mantinha enfarada com as histórias mais divertidas. Tentei de várias maneiras incluí-la nas discussões de casos, mas as respostas eram sempre curtas e evasivas. Já tinha desistido de conquistá-la quando morreu a Marly, uma menininha linda, transplantada de pulmão. Constatado o óbito, desci da terapia intensiva para o anfiteatro, arrastando o peso da perda e submetido ao massacrante compromisso de fazer o que tem de ser feito, na hora marcada, e do melhor jeito que se possa fazer, ainda que a vontade fosse sair correndo e ruminar a dor em silêncio, nalgum canto escondido. Mesmo com todo o esforço, o assunto me pareceu muito chato, não consegui dar uma aula mais do que medíocre, e fiquei aliviado quando terminamos e os alunos levaram o burburinho para o corredor e foram embora.
A Gabriela ficou para trás. Insistia em colocar na mochila um caderno de capa grossa que parecia determinado a não passar pela abertura do zíper. Quando me preparava para desligar o projetor, ela finalmente falou: "A sua pose de super professor bem sucedido sempre me chateou. Não sei o que balançou a sua coroa e duvido que os seus queridinhos sorridentes tenham percebido, mas hoje descobri que você pode ficar triste como eu. E já que ficamos parecidos, se houver alguma coisa que eu possa fazer pra lhe ajudar, conte comigo".
Quando ela desfez o abraço carinhoso, mal consegui agradecer. Por juízo precipitado, quase perdi o doce afeto daquela reconciliação.