As grandes conquistas da humanidade sempre dependeram de doses substanciais de curiosidade, inteligência, coragem e perseverança. A história, por outro lado, está repleta de oportunistas que se apropriaram desses lampejos geniais e, sem constrangimentos, curtiram a fama como se o mérito fosse deles.
Curiosamente, existem uns tipos que, desprovidos de vaidade, aparentemente nasceram para promover a glória dos outros. Norman Shumway, professor emérito da Universidade da Califórnia, é reconhecidamente um magnífico exemplar da espécie humana: inteligente, criativo, trabalhador e tímido. Apaixonou-se pela possibilidade de transplantar o coração e desenvolveu toda a pesquisa experimental em seu laboratório. Puro, como são os cientistas verdadeiros, dividiu o que aprendeu com humildade, nunca omitiu nada de ninguém e recebeu com fidalguia a todos os interessados no assunto. Foi assim que um cirurgião sul-africano desconhecido, chamado Christian Barnard, aproximou-se do mestre, inteirou-se de todas as técnicas e voltou para casa determinado a entrar para a história.
Enquanto os americanos estavam cerceados pela legislação que ainda não reconhecia a condição de morte encefálica, só permitindo a retirada de órgãos depois que o coração parasse, o que era um grande óbice para o transplante daquele órgão, na África do Sul não havia impedimento e, assim, em dezembro de 1967, Barnard transpôs o umbral da fama, transplantando o coração de Louis Washkansky, um judeu lituano que emigrara para a África do Sul aos cinco anos de idade e ali se estabelecera como comerciante de alimentos. Washkansky desenvolvera diabetes e, em função disso, uma cardiopatia grave que evoluiu para a insuficiência cardíaca congestiva.
O transplante foi um sucesso inicial, mas o paciente morreu 18 dias depois por uma pneumonia, muito provavelmente causada por imunodepressão excessiva, já que pouco se sabia da prevenção de rejeição naqueles tempos remotos. A fama do autor, no entanto, estava assegurada.
Não se surpreenda por não conhecer essa história, ela só foi denunciada no meio médico, e nunca houve alguém interessado em difundi-la. Afinal, o autor da façanha espetacular, um aventureiro bonito e sociável, rapidamente se tornara uma celebridade festejada no jet set internacional, com direito à capa da revista Time e um tórrido affair com Gina Lollobrigida, o símbolo sexual daquela geração. E a mídia, como se sabe, odeia assumir equívocos e recontar histórias, e nunca se interessa por anticlímax.
Mas os cirurgiões americanos nunca perdoaram Barnard. Lembro bem, nos anos 1980, quando alguém inadvertidamente o convidou para proferir uma conferência num congresso em Chicago e, em repúdio, quase todo o salão se esvaziou ao vê-lo subir ao palco. Como se vê, uma punição pequena para o tamanho do "caradurismo"!
Subtraído da fama que merecia, o inabalável professor Shumway construiu uma experiência gigantesca em transplante de coração e é merecidamente considerado, no universo discreto e reservado da ciência, um dos ícones definitivos da cirurgia cardíaca de todos os tempos. Infelizmente, ele nunca foi capa de revista internacional. Mas como corrigir a injustiça, se o pódio da fama já tinha sido desmontado?