A prefeitura de Vacaria fica numa esquina, de frente para a praça. Era uma noite quente de primavera e fui levado por meu avô para a minha primeira experiência política. Empoleirado nos ombros dele, descobri que se chamava comício aquela sucessão de oradores falando de coisas que não entendia enquanto as pessoas comentavam distraídas.
De repente, um frisson tomou conta de todos, quando se anunciou o discurso de um grande orador que encerraria o comício. Ele entrou na sacada da prefeitura, tirou o chapéu, acenou para todos que o aplaudiam e, a seguir, fez um silêncio estratégico como a dizer que, depois disso, nenhum ruído seria permitido. Todos entenderam e todos se calaram. Quando ele começou a falar, os pernilongos emudeceram. Não lembro uma palavra do que ele disse, mas nunca vou esquecer a irreprimível euforia e encantamento que tomou conta de todos, e dos apertos de mão, e dos abraços afetuosos que foram trocados por alguns quase desconhecidos envolvidos na comoção.
Quando fui colocado outra vez na calçada, percebi com espanto que meu avô chorava. Lembro que fiquei em pânico, porque, naquela idade, eu ainda não sabia que se podia, sim, chorar por outra coisa que não fosse dor ou perda. Quando perguntei o que tinha ocorrido, ele me respondeu, já meio rindo: "Foi pura emoção, meu filho. Vamos embora!". Devo a Paulo Brossard de Souza Pinto a ventura de ter descoberto, ainda criança, que não há maneira mais doce e generosa de se chorar.
Reencontramo-nos uns 40 anos depois, quando tive o privilégio de cuidar dele e, com um pretexto médico passageiro, construir uma avenida de afeto que sempre me estimulou e distinguiu. O cérebro brilhante e intacto que o acompanhou durante seus 90 anos serviu de ensejo a uma troca infindável de afinidades que davam sempre a sensação de que nossas conversas poderiam se alongar indefinidamente.
Poucas pessoas me estimularam como ele quando comecei a escrever com regularidade em ZH, a ponto de esperar com ansiedade seu telefonema de elogio carinhoso, e pouco me importava se exagerado, nas primeiras horas da manhã de sábado.
Antecipando a sessão de lançamento do livro de crônicas, mandei-lhe um exemplar autografado, como mínima retribuição pela espontaneidade da ajuda. A surpresa foi encontrá-lo sorridente na fila de autógrafos e, quando lhe perguntei se ele não tinha recebido o livro que lhe enviara, ele respondeu: "Recebi e agradeço a gentileza, mas descobri que não tenho braços tão compridos. Se eu não saísse de casa não teria como te abraçar e, então, cá estou!".
Muito se falará da figura camaleônica e plural que encantou tantas gerações, mas todos concluirão, com constrangedora certeza, que não há como substituí-la. E, depois de um tempo, a sensação de perda suplantará a saudade.