Descobri que Bhakti Sondra Shaye limpa janelas - como também micro-ondas, geladeiras, máquinas de lavar louça e closets.
Não faz muito tempo ela chegou à minha porta, enrolada numa pashmina rosa claro, brandindo um frasco vazio de spray. Esbelta e com ar etéreo, parecia mais uma fada New Age, como aquela interpretada por Anne Hathaway.
Na verdade, Shaye, que tem 49 anos, um diploma em Redação Criativa e anos de prática como advogada corporativa, não é uma simples faxineira; ela é o que se chama uma "desobstruidora de espaços" e estava no meu apartamento para fazer uma limpeza de gente grande, muito além da que o aspirador de pó poderia fazer - muito, muito mais.
Os montinhos de poeira estavam seguros; ela ia se livrar era das vibrações negativas.
Adorados pelos produtores de reality shows e corretores de imóveis de Nova York, desobstruidores como Shaye hoje em dia raramente causam estranheza ou surpresa. Combinando os ensinamentos das quatro maiores religiões com um toque de rituais indígenas e um pouquinho de confusão do início do século XX - citações de Madame Blavatsky através de L. Ron Hubbard - os xamãs e curandeiros, místicos e médiuns da Nova Era (não tão nova assim) se tornaram indispensáveis para certos proprietários de Nova York e outras grandes cidades, que contam com esses purificadores para "lavar" seus apartamentos e casas (e até escritórios e alguns eventos) com frequência. E, por incrível que pareça, recebem mais publicidade que a maioria dos decoradores e arquitetos e contam com a recomendação de imobiliárias como Core e Corcoran.
Tudo leva a crer que tempos incertos pedem cuidados pouco tradicionais - ou "aquela vantagem extra", como diz Desiree Gruber, do "Project Runway".
Jeff Sharlet, que já escreveu exaustivamente sobre fé e religião nos EUA (seu último livro, "Sweet Heaven When I Die: Faith, Faithlessness and the Country In Between", saiu em 2011), garante que a purificação de ambientes não é mais uma prática cosmopolita. "Já se tornou um fenômeno também nas cidades médias no Meio-Oeste, sem distinção de classe ou idealismo".
Tudo bem, mas por que uma limpeza tão, digamos assim, completa?
E por que não? pergunta Dominic Teja Sidhu, curador , diretor criativo e assessor de arte de 31 anos que procura Shaye para todos os seus projetos, incluindo sessões de fotos, mostras em galerias e instalações de arte.
- O preço é bem accessível - é o custo de uma revisão do carro - e é sempre um dinheiro bem empregado - diz ele. (Com relação aos preços: Shaye cobra US$50 para "limpar" um projeto, US$250 para purificar uma casa remotamente e a partir de US$350 por um descarrego in loco.)
O negócio é encarar como uma redecoração interna, aconselha Miriam Novalle, perfumista que hoje é fornecedora de chá e que tem sua casa no Harlem purificada por Barbara Biziou, blogueira badalada do Huffington Post e consultora executiva (ou "responsável pela sabedoria global e agente de mudança", como se autodenomina), todos os anos no dia de seu aniversário.
- E o último foi bem importante - completa ela, evitando responder a pergunta sobre sua idade.
- Pense naqueles dias em que você está em casa e não tem coragem de pegar nem uma almofada. Os desobstruidores acabam com toda aquela energia parada. Tanto é que depois de uma das sessões com Biziou passei a noite em claro repintando as paredes - ela continua.
A fé é um poderoso motivador, como psicólogos e líderes religiosos podem atestar. E os clientes desses purificadores de ambientes não têm queixas. Não há resenhas negativas no Yelp.
Enquanto observo Shaye girar devagar na minha sala, deixando meu gato fascinado, penso: que mal há? Quem não gostaria de ter uma fada cor-de-rosa abençoando sua casa? Ou um velhinho travesso como Reggie Arthur, de 69 anos, veterano da indústria da música e ex-ator que veio dois dias depois?
Dei a Shaye uma tarefa específica: deixar minha sala maior. (Sim, ela disse que poderia fazer isso.)
Ela não foi a única a lidar com o espaço meio esquisito, que é retangular - detalhe realçado pelas prateleiras de ocupam toda a extensão de uma das paredes. É um ambiente difícil e ninguém gosta de ficar ali, a não ser o gato. Há anos tentei aplicar as técnicas de feng shui para, logo depois, "melhorá-la" com um decorador que escondeu todos os meus bibelôs. Recentemente foi a vez de um amigo que se arriscou a mudar os móveis de posição - só para acomodá-los no mesmo lugar depois. É claro que sei que ela precisa de uma decoração mais transada, uma demão de tinta e do sumiço as benditas prateleiras, mas quem tem condições de fazer isso em tempo de incerteza?
Shaye ofereceu desconto no preço da "limpeza remota" de US$250, mais barata do que um serviço de pintura, e prometeu cuidar do apartamento todo. Seu equipamento era mínimo: o já citado frasco de spray rosa, que encheu de água da torneira e "benzeu" recitando algumas orações. E também benzeu o café.
- Estou elevando suas vibrações. Retirando a negatividade, tornando-o mais saudável - disse ela, tímida.
Ficou mais gostoso?
- Não sei. Faço isso em tudo o que como e bebo.
Shaye, que é de uma família de advogados, me contou que abandonou a advocacia para cursar uma "escola de mistérios" há mais de dez anos. Essas instituições são para pessoas como ela, iniciadas em várias práticas, incluindo desobstrução de espaços. Seu primeiro mentor, ela conta, a ensinou a empurrar toda a energia negativa pela porta da casa do cliente, para o quintal (ou corredor, se for apartamento).
- Só que não fazia sentido, então agora eu só a removo.
Tipo passar aspirador em vez de varrer?
- Exatamente.
Foram necessárias três horas para sugar todas as más energias do meu apartamento, processo que incluiu serviços padrões como janelas e closets, e alguns floreados extras, como abrir um vórtice de cura sobre a minha cama.
- É bem suave - prometeu ela, notando o meu pavor.
Quase todas as superfícies receberam um borrifo do tal do frasco rosa, assustando o gato.
- Eles detestam - ela comentou.
O toque final foi na minha sala.
- Vou 'abrir' essas paredes energeticamente. Costumo fazer isso em salas menores ou com teto baixo. Em Nova York, é superimportante - ela anunciou, posicionando-se como uma bailarina em uma antiga caixinha de música.
Dois dias depois, apareceu o Arthur. Eu o recebi meio inquieta, principalmente depois da mensagem que ele deixou na minha secretária - como se eu fosse o equivalente humano a Fukushima.
- Nunca vi uma energia dessas. Tenho que conversar com você antes de vê-la!
Ao conhecê-lo pessoalmente, consegui perdoá-lo. Charmoso, bem vestido e levemente profano, contou histórias dos anos que passou na indústria da música ("Marky Mark não conseguia embrulhar um sanduíche").
Ele conta que chegou à carreira atual naturalmente. Seu avô era um seminole que costumava "limpar" a casa no dia de Ano Novo queimando folhas de fumo. Já Arthur da preferência à sálvia e ao jasmim, que queimou num porta-incenso e saiu chacoalhando pela casa, depois de "encharcar" a porta da frente. Fiquei só pensando nos vizinhos e no alarme de incêndio.
- Geralmente trago flores para a limpeza, mas sinto que você está desabrochando - ele disse.
- A limpeza começa dentro de você - acrescentou, antes de evocar os votos tradicionais: Amor! Progresso! Dinheiro!
E no fim das contas minha sala ganhou altos elogios de Arthur, que declarou que sua energia era "oriental e criativa", embora achasse que tivesse que "ter toque de laranja e vermelho vivo".
E não foi só ele que elogiou a minha sala. Quando minha filha de 16 anos voltou da escola, no dia da visita de Shaye, ela disse:
- O que aconteceu? parece que a sala está maior.
- Para com isso! Nem vou falar mais nada - Shaye exclamou quando lhe contei a história.