Pesquisadoras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) trabalham no desenvolvimento de um teste rápido para o acompanhamento da sífilis. Chamado Rapidsifi, o produto busca oferecer um procedimento menos invasivo e mais ágil para os pacientes. Um dos focos é beneficiar gestantes que precisam monitorar a evolução da infecção. A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST). O Rio Grande do Sul é um dos Estados brasileiros com mais casos conforme levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde (MS).
Segundo Priscila Lora, professora da Escola da Saúde da Unisinos e idealizadora do Rapidsifi, o produto será inovador no mercado. Isso porque os testes atuais usam uma tecnologia chamada imunocromatografia, que possibilita identificar a presença ou ausência de anticorpos, mas não a quantidade deles. Esse dado é importante para mensurar o tratamento, explica a pesquisadora:
— Com os produtos disponíveis hoje, não é possível avaliar se o tratamento foi efetivo. Isso é um problema, em especial na gestante com sífilis, pois precisamos saber, na hora do acompanhamento do pré-natal, se o bebê está livre da infecção ou se o tratamento precisa ser repetido.
Além de proporcionar informações precisas sobre anticorpos, a tecnologia pretende agilizar a análise da amostra do paciente, porque têm menos etapas do que os modelos atuais. Outro ponto destacado pela pesquisadora é o de o procedimento ser menos invasivo: a tecnologia é parecida aos exames de glicemia que podem ser coletados em casa, por qualquer indivíduo.
— Ela utiliza uma amostra de sangue da ponta do dedo. A coleta pode ser feita por pessoas leigas devido ao grau de facilidade. Os testes laboratoriais utilizam coletas de sangue do braço, que necessitam de profissionais qualificados, e expõem o paciente a um processo mais invasivo, com maior chance de eventos adversos — explica.
A sífilis pode ser transmitida em uma relação sexual sem proteção com uma pessoa infectada (sífilis adquirida), ou da mãe para a criança na gestação ou durante parto (sífilis congênita). Se não tratada no início da infecção, a sífilis é capaz de afetar órgãos do corpo humano, como os olhos, a pele, o cérebro, o sistema nervoso e o coração. Feridas nos órgãos genitais, que somem sem deixar cicatrizes e manchas vermelhas na pele, na mucosa da boca, nas palmas das mãos e nas plantas dos pés são alguns dos sintomas mais comuns.
Em estágios avançados, a infecção compromete o sistema nervoso central, com inflamação na aorta, lesões na pele e nos ossos. No caso das gestantes, a doença é considerada grave porque, além dos sintomas, o vírus pode ser transmitido para os filhos no parto ou durante a gravidez.
O Rapidsifi está em fase inicial de estudos e deve receber validação em ambiente laboratorial em setembro de 2023. Além de Priscila Lora, fazem parte da equipe de pesquisadoras a graduanda de Biomedicina Bruna Ferri e a mestranda de Engenharia Elétrica Duane Moraes.
Os testes rápidos são desenvolvidos em parceria entre a Unisinos e a Biosens. O principal meio de fomento é o edital Catalisa ICT, no qual o projeto foi contemplado. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também apoia o trabalho.
Situação preocupante no RS
Segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES), desde 2010, quando passou a ser de notificação obrigatória pelos profissionais da saúde, até junho de 2021, foram identificados 95 mil casos de sífilis adquirida no Estado. Um levantamento deste ano do Ministério da Saúde informou que o Rio Grande do Sul teve 130,2 casos para cada 100 mil habitantes em 2021, o que o coloca entre os Estados com índice superior à média nacional: fica acima dos 78,5 casos para 100 mil habitantes computados no Brasil. O dado está no boletim epidemiológico do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI).
Os números corroboram a percepção de Maria Leticia Ikeda, médica da SES e professora da Escola de Saúde da Unisinos: ela comenta sobre um “cenário assustador” dos casos de sífilis no Estado, que se parece ao observado no Brasil e em outros países. Isso, segundo a profissional, ocorre mesmo com campanhas informativas e investimentos em métodos que reduzem a transmissão das ISTs.
— Mudar o comportamento é uma das coisas mais difíceis do cuidado em saúde, mesmo com bastante informação. Muitas pessoas nos procuram tendo se exposto (às ISTs) sem preservativo, com as mais variadas argumentações. Outro problema frequente é o de pessoas que tiveram relações sexuais sob efeito de drogas e álcool, o que inibe ações preventivas, como usar camisinha — conta.
A médica comenta que o governo estadual tem conduzido campanhas, abordagens no ambiente escolar e qualificação dos profissionais da saúde para reduzir o número de casos. Somado a isso, ela ressalta, é possível ter acesso aos testes para detectar a doença, por meio de um exame que é gratuito, e com resultado disponível em poucos minutos.
—Em todos os municípios do Estado existe pelo menos um ponto de testagem, que pode ser feita sem necessidade de encaminhamento médico. Além da sífilis, também é possível fazer testes de HIV e hepatites B e C — orienta Maria Leticia.
O medicamento utilizado no tratamento da doença é o antibiótico penicilina benzatina (benzetacil), com dosagem que varia conforme o estágio do paciente. Essa opção é usada também para gestantes, e está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
Sobre a doença
A principal forma de transmissão da sífilis é a sexual. As lesões causadas pela doença podem aparecer tanto nos órgãos sexuais como na boca. A transmissão ocorre no contato com as lesões, que são indolores e podem passar despercebidas. Sendo assim, não é possível descartar que haja transmissão pelo beijo se ele ocorrer no período em que há lesões. A camisinha, tanto a masculina quanto a feminina, protege contra a sífilis, o HIV e outras ISTs. Pessoas curadas da sífilis podem ser infectadas novamente. Por isso, é indicado que se faça o exame periodicamente.
Como fazer o teste em Porto Alegre
A testagem rápida para HIV, sífilis e hepatites está disponível em todas as 123 unidades de saúde de Porto Alegre, sem necessidade agendamento na maioria delas. A avaliação do paciente é feita no próprio posto.