Por Stephen Stefani
Médico oncologista
A medicina tem historicamente focado em categorização das doenças, classificando as pessoas em subgrupos, como fumante ou não fumante, ou estabelecendo divisões arbitrárias em medidas contínuas, como alto e baixo risco de desenvolver determinada doença. Essa construção pressupõe que manifestações altamente variáveis de saúde e doença podem ser melhor explicadas alocando os indivíduos em grupos distintos e que cada doença e subtipo de doença tem seu conjunto próprio de causas.
A estratégia até pode contribuir para visualizar pessoas de maior risco e tentar desenhar estratégias de manejo. As doenças, no entanto, representam uma confluência de processos desordenados.
O câncer, por exemplo, ocorre tipicamente em meio a um conjunto de processos anormais, incluindo pelo menos uma mutação genética, ou seja, uma alteração no DNA da célula, que passa a receber instruções erradas para as suas atividades. Essa condição nem sempre é hereditária, ou seja, não foi herdada e não é transmitida para próximas gerações. Existe, atualmente, capacidade de identificação precoce de forma rápida e relativamente acessível desse perfil genético. Inclusive, já se debate entre cientistas e médicos a importância de se considerar essas informações como parte integrante do prontuário médico de cada pessoa, mesmo que ainda se busque equacionar qual relevância clínica real dessas informações.
Tem-se proposto que pontuações poligênica, construídas com quantificação de vários fatores associados, assumam um papel fundamental na tomada de decisão médica. Quando muitas causas contribuem para a doença em um indivíduo, mais sentido faz rastrear cada processo envolvido e quantificar qualitativamente o peso dessas variáveis que são muito mais complexas que simplesmente as categorias que as classificam.
Embora a tomada de decisão clínica muitas vezes exija decisões binárias (como tratar ou não), elas podem não ser mapeadas de forma precisa em categorias definidas anos antes. Com capacidade crescente de uso de cognição artificial e algoritmos sofisticados, essas informações extraídas da avaliação genética abrem um universo que viabiliza, por exemplo, escolher o remédio mais adequado para cada indivíduo específico, reduzindo toxicidade desnecessária e aumentado assertividade. Por exemplo, ao invés de todas as mulheres começarem a fazer exames de mamografia anuais aos 45 anos (como atualmente recomendado pela American Cancer Society), os escores poligênicos para o risco de câncer de mama podem ser usados para adaptar os cronogramas para que as mulheres com maior risco genético sejam rastreadas mais cedo e mais intensamente do que aqueles com risco abaixo da média.
Embora essa abordagem seja uma promessa clínica, existem limitações. Eles deixam de fora muitas fontes de dados relevantes e funcionam melhor para as populações ricas e predominantemente brancas, nas quais a maioria dos estudos genéticos foi realizada. A ênfase no risco genético pode desviar atenção de fatores não genéticos e não reconhecer que o desafio também é capturar os fatores multifacetados e entrelaçados que influenciam o risco de doenças, e combiná-los com dados pragmáticos. Frequentemente rotulados coletivamente como ambientais, esses podem incluir fatores tão variados como dieta, atividade física, exposição a substâncias deletérias, status socioeconômico, acesso a cuidados de saúde – cada um deles com sua intensidade variável na jornada do indivíduo, ilustrando mais a complexidade da saúde e doença.
Além disso, esforços só se traduzem em sucesso se os dados micro e macroambientais forem coletados de forma padronizada e compartilhada, para que permitam que as informações de diferentes estudos e populações sejam combinadas e comparadas na perspectiva científica pertinente. Isso inevitavelmente aproximará o avanço científico do atendimento clínico e exigirá que abordemos questões fundamentais sobre propriedade de dados, privacidade, justiça e responsabilidade social. O Brasil tem uma longa e forte tradição em sistemas de saúde. Ainda que a pandemia castigue o país, ela também demonstra que saúde não é custo, mas sim investimento em estabilidade social, política e econômica.