Hospitais e prefeitura de Porto Alegre estão atentos ao leve aumento no uso das unidades de terapia intensiva (UTIs) por pacientes com covid-19 nos últimos dias – na sexta-feira (4), a marca de 400 internados foi novamente ultrapassada, segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Somando-se esses pacientes a internados com outras doenças, há 819 pessoas em leitos intensivos – a ocupação de vagas públicas e privadas é de 89%.
Ao mesmo tempo, gestores avaliam que há margem para preservar os atendimentos a pacientes com outras doenças e destacam que a piora na pandemia é mais lenta do que em março e abril – o avanço da vacinação contra a covid-19, afirmam, freia o agravamento.
Estatísticas da prefeitura apontam que a ocupação das UTIs por pessoas com coronavírus na capital gaúcha apresenta, após estabilização em altos patamares ao longo de maio, pequena piora nesta primeira semana de junho. A situação está distante do auge da pandemia em março e abril, mas permanece mais grave do que em todo o ano passado.
De todos os internados em UTIs nesta terça-feira (8) em Porto Alegre, 411 (50,1%) têm coronavírus. O número de internados com a doença está 9% maior do que na terça-feira passada (2) e 5,6% mais alto em comparação a duas semanas atrás.
Ao comparar o cenário atual com o período anterior da pandemia, o número de pacientes com coronavírus em leitos intensivos na capital gaúcha hoje é 53% menor do que no auge da terceira onda, mas 23% maior do que no pico da segunda onda e 18% acima do pior momento da primeira onda (veja no gráfico abaixo).
A prefeitura e hospitais ouvidos por GZH afirmam que a demanda represada de internações por cirurgias eletivas sem relação com a covid-19 impede a transformação de vagas de UTI gerais em leitos para casos graves de coronavírus, já que há atendimentos adiados nos últimos meses. É preciso, agora, atender à população que não realizou cirurgias para câncer, doenças cardiovasculares e outras.
Também colocam expectativa na vacinação: Porto Alegre é um das capitais que mais aplicaram a segunda dose – 22,4% dos habitantes da cidade estão plenamente imunizados, enquanto que, no Rio Grande do Sul, são 13,9% pessoas.
Está tendo um pequeno e lento aumento. Isso nos dá tempo de observar. Por enquanto, a internação covid não está sendo prejudicada, então estamos dando vazão às necessidades não covid
JOÃO MARCELO FONSECA
Assessor de Planejamento da SMS
O assessor de Planejamento da SMS, João Marcelo Fonseca, reconhece que a cidade está em patamar alto de ocupação de UTIs, com leve aumento. No entanto, afirma que a velocidade de piora está baixa e que o tempo de espera de um paciente grave com covid-19 para obter uma vaga é de poucas horas – menor do que para indivíduos sem coronavírus.
— Está tendo um pequeno e lento aumento. Isso nos dá tempo de observar. Por enquanto, a internação covid não está sendo prejudicada, então estamos dando vazão às necessidades não covid. Nos reunimos todas as segundas-feiras com hospitais para avaliar o cenário. A decisão de ontem (segunda-feira) foi de manter a estrutura como está agora, sem suspender cirurgias eletivas. A avaliação é constante — diz.
Fonseca também diz que a ocupação de leitos clínicos segue estável em altos patamares, mas que o número de testes realizados e de resultados positivos dentre os exames feitos se mantém no mesmo patamar de semanas atrás.
Ele afirma que a leve piora nas UTIs pode ocorrer em função de pacientes por convênio vindos do Interior, onde a pandemia está mais grave, ou pela maior internação de jovens, que permanecem mais tempo hospitalizados, o que causa menor giro de leitos.
O gatilho para que a SMS realize mudanças em hospitais – como suspender cirurgias eletivas e fechar leitos de UTI gerais para transformá-los em vagas para covid – é uma piora mais acentuada, diz o assessor da pasta.
— A barreira não é numérica, mas é a velocidade do aumento. Se, em uma semana, a gente passar de 400 para 450 leitos de UTI ocupados com coronavírus e, em 10 dias, tivermos 480, é um sinal de alerta porque acelerou muito rápido — acrescenta Fonseca.
O panorama nos hospitais
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o atendimento não está caótico, mas inspira atenção, afirma Beatriz Schaan, coordenadora do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Coronavírus. A ocupação nesta terça-feira era de 86%.
Ela diz que o Hospital de Clínicas está direcionando esforços a pacientes sem covid-19 (câncer ou doenças do coração, por exemplo) e que a instituição precisa focar nesse público. Beatriz destaca a necessidade de adultos fazerem a vacina contra a gripe para prevenir internações no inverno.
— Em março, tínhamos 135 leitos UTI covid e, desde então, temos 105, um número com o qual conseguimos atender com qualidade, com equipamentos e profissionais. Não estamos pretendendo aumentar para mais de 105 por entendermos que há estabilidade e pela necessidade de atender os demais pacientes sem coronavírus — diz.
O diretor-técnico do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), Francisco Paz, considera que a pandemia em Porto Alegre está longe de alcançar o cenário visto no Interior, onde já há hospitais lotados. Mas ele reconhece que, com a chegada do inverno, há expectativa de maior internação por doenças respiratórias, aliada à necessidade de cirurgias eletivas. Nesta terça-feira, a ocupação do Conceição era de 97,3%.
— Consideramos estar em um platô elevado que vem se mantendo. Levando em conta a situação do país e do Rio Grande do Sul, estamos em estado de alerta. Não vamos fazer nenhuma alteração de leitos nem de fluxo porque entendemos que a situação ainda está sob controle. Se percebermos aumento maior do que nos últimos 30 dias, teremos condições de reabrir leitos e mudar fluxos. Mas nossa expectativa é de que as ondas serão cada vez menores, com a vacinação — diz Paz.
No Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), o número de pacientes em UTIs nesta terça-feira chegou a 38, um aumento de 30% em comparação à semana anterior, informa Saulo Bornhorst, diretor-técnico da instituição. Na semana anterior, o salto foi de 200%. Nesta terça-feira, a ocupação era de 108,6%.
— Eu diria que estamos na metade da ocupação que tivemos no auge de pandemia. Os hospitais se reorganizaram para atender um quantitativo maior. Porto Alegre já chegou a mais de mil pacientes alocados em UTI entre março e abril. Quando a gente olha 400, está bem aquém. No ano passado, tínhamos como número mágico ficar abaixo de 400, mas os hospitais se organizaram, abriram espaços. No São Lucas, contratamos mais equipes e nos reorganizamos — diz Bornhorst.
Porto Alegre já chegou a mais de mil pacientes alocados em UTI entre março e abril. Quando a gente olha 400, está bem aquém. No ano passado, tínhamos como número mágico ficar abaixo de 400, mas os hospitais se organizaram, abriram espaços
SAULO BORNHORST
Diretor-técnico do Hospital São Lucas
O Hospital Moinhos de Vento informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que considera a situação estável na instituição – a ocupação das UTIs é de 94,7%. Na Santa Casa, o cenário é considerado "tranquilo" pelo diretor-técnico, Ricardo Kroef, em meio a uma ocupação de 93,1%.
Kroef diz que grande parte das novas internações em leitos intensivos é de pacientes do Interior, que não conseguiram vaga em hospitais de suas regiões. Ele salienta que a Santa Casa tem capacidade de expansão no número de leitos.
— Vemos um aumento, mas nada que seja preocupante. Várias de nossas UTIs covid voltaram a ser UTIs para pacientes de outras doenças. O que não se vê mais são pacientes de idade mais avançada. Estamos atentos, porém não chega perto de ser extremamente preocupante. A Santa Casa tem velocidade bem rápida de transformar leitos de UTI para covid — diz o diretor-técnico da instituição.
Estabilidade não significa controle da pandemia
A estabilidade em número de casos não deve ser encarada como pandemia controlada porque, com a maior vacinação, pessoas infectadas podem não buscar atendimento ou testagem justamente por estarem imunizadas, ressalta Álvaro Krüger Ramos, professor de Matemática Aplicada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e analista das estatísticas da covid-19.
— Temos dois indicadores hoje quase contraditórios. O primeiro é o número de novos casos por dia, que apresenta estabilidade. O outro é o número de pacientes em UTIs, que apresenta aumento. A vacinação diminui as chances de um paciente adquirir sintomas graves. Então, como cidade, a gente detecta menos casos porque costumamos detectar mais casos graves — diz Ramos.