John Everdell passou quase toda a vida com insuficiência renal. Quando jovem, enquanto esperava um transplante, precisou fazer hemodiálise por um curto período. Foi por causa dessa experiência que ele se recusou a fazer hemodiálise novamente quando, aos quase 70 anos, surgiu a ameaça de falência renal.
"Ele era uma pessoa muito independente; sabia o que queria da vida", diz Trix Oakley, sua companheira durante 22 anos.
"Ele não queria ficar preso à rotina de ter de fazer hemodiálise na clínica dia sim, dia não. Não gostava dos altos e baixos – sentir-se bem, mas cansado, e depois irritado. Não gostava de ficar conectado a uma máquina."
Everdell era carpinteiro e marceneiro. Fora diagnosticado com insuficiência renal quando tinha cerca de 30 anos. Aos 60, já tinha passado por dois transplantes; os rins foram doados por seus irmãos.
Mas, nos últimos anos, vivendo em Cambridge, Massachusetts, ele e Oakley perceberam que seu segundo rim transplantado já não respondia bem. Os resultados dos exames de sangue eram preocupantes. Everdell sentia frio e cansaço; os pés e as mãos começaram a inchar. Os médicos sugeriram hemodiálise novamente.
Mas, com a ajuda de Oakley, ele preferiu confiar no chamado "tratamento conservador", que consiste em retardar o progresso da doença e apenas tratar sintomas e complicações. Seguiu uma dieta rigorosa, manteve a pressão sanguínea e o peso sob controle e tomou injeções de hormônios para evitar anemia. Sua irmã lhe ofereceu um rim para um terceiro transplante, caso necessitasse.
Nesse meio-tempo, ele e Oakley fizeram passeios, preferindo principalmente rotas de balsa entre a Flórida e o Canadá. Oakley conta que Everdell havia cruzado o Atlântico em um barco a vela, mas já não tinha mais energia para pilotar uma embarcação. "Assim, viajamos em balsas o mais que pudemos, pois ele adorava estar na água."
A hemodiálise foi desenvolvida como medida temporária para manter o paciente vivo até que possa receber um transplante; no entanto, passou a ser uma forma de viver. Os registros do Sistema de Dados Renais dos EUA indicam que mais de 104.000 pessoas acima de 75 anos fizeram hemodiálise em 2016, bem como 130.000 pacientes entre 65 e 74 anos.
O tratamento conservador proporciona muito mais liberdade para que ele faça outras coisas que considere importantes, mesmo que viva algumas semanas ou meses a menos.
A maior parte dessas pessoas provavelmente nunca soube que havia alternativa: administrar a doença e seus sintomas clinicamente, com acompanhamento médico frequente – mas sem hemodiálise.
A hemodiálise prolonga a vida, mas também impõe fardos – como ter de ir à clínica três vezes por semana para sessões de quatro horas de hemodiálise, ou fazer várias trocas de líquidos diariamente com a diálise peritonial, que pode ser realizada em casa. O tratamento conservador pode livrar o paciente dessas rotinas.
Além disso, enquanto alguns estudos mostram que pacientes mais velhos vivem mais tempo com a hemodiálise do que com o tratamento conservador, essas diferenças diminuem entre pessoas com mais de 75 anos, que normalmente também enfrentam outros sérios problemas de saúde.
E para o paciente, claro, sobrevivência não é tudo. O tratamento conservador proporciona muito mais liberdade para que ele faça outras coisas que considere importantes, mesmo que viva algumas semanas ou meses a menos.
"A hemodiálise muda a vida do paciente", informa a dra. Susan Wong, nefrologista do HSR&D (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Serviços de Saúde) do DVA (Departamento de Assuntos de Veteranos), em Seattle, e autora principal de um novo estudo no "JAMA Internal Medicine". "É um tratamento que exige demais. Envolve questões médicas, psíquicas e de qualidade de vida. É uma decisão importante."
Porém, nas pesquisas, muitos pacientes dizem não se lembrar de ter tomado a decisão, e nem sequer de ter discutido uma opção. Os médicos sempre falam da hemodiálise como algo inevitável. Num pequeno estudo com nefrologistas, só um terço deles informa como regra sobre o tratamento conservador.
Keren Ladin, diretora de um programa sobre envelhecimento e ética na Universidade de Tufts, já entrevistou pacientes e nefrologistas, e afirma que os pacientes não sabiam que o tratamento conservador era uma opção. "O médico diz que sem a hemodiálise a pessoa morre; ou então o paciente diz que não foi escolha sua, que foi decisão do médico."
Talvez aqueles pacientes gostassem de saber, por exemplo, que, no fim da vida, os que optam pelo tratamento conservador têm menos chances de ser hospitalizados do que os que fazem hemodiálise, têm de passar por menos procedimentos agressivos e têm menos probabilidade de morrer num hospital.
No entanto, segundo o novo estudo de Wong com 851 pacientes do DVA que recusaram hemodiálise, é frequente que o médico tenha objeções a essa decisão. Registros demonstram que o médico questiona a competência do paciente, e o força a mudar de ideia.
Sobre a reação dos médicos, Wong diz que a maioria foi cética. "É uma decisão relativamente incomum, que o médico acha suspeita."
Um estudo revela que outros países desenvolvidos adotam uma abordagem diferente, especialmente com os muito idosos. No Canadá, receberam hemodiálise menos de 7% dos pacientes acima de 85 anos com insuficiência renal; na Austrália e na Nova Zelândia, menos de 5%.
Em contrapartida, um estudo do DVA realizado nos EUA em 2016 concluiu que se administrou hemodiálise a mais de 40% dos pacientes acima de 85 anos com problemas renais.
Em 2013, aos quase 92 anos, Lyman Dally teve falência renal após uma queda em sua residência em South Orange, Nova Jersey. Na sala de emergência, os médicos começaram uma hemodiálise.
Segundo seu filho, "depois de uma ou duas semanas, ele decidiu que não queria viver assim, pois era muito doloroso e cansativo".
O idoso parou com a hemodiálise, disse a seu filho que tivera uma vida maravilhosa e, duas semanas depois, faleceu.
O Medicare – sistema de saúde gerido pelo governo dos EUA – e outras seguradoras ajudam a impulsionar a confiança nesse tratamento. "Nosso incentivo financeiro concentra-se em promover a hemodiálise", declara o dr. Alvin Moss, especialista em cuidados paliativos da Escola de Medicina da Universidade de West Virginia.
O baixo reembolso de visitas mensais ao consultório para monitorar o tratamento conservador pode arruinar financeiramente uma clínica. Mas Moss e outros pesquisadores suspeitam que o "tratamento conservador" implica falta de cuidado.
Eles sugerem que talvez a abordagem precise de um novo nome, como "terapêutica ativa" ou "apoio extensivo".
Por enquanto, o paciente interessado no tratamento conservador, ou seja qual for o nome que lhe dermos, terá dificuldade em achar médicos adeptos do tratamento conservador. Alguns nefrologistas lançaram programas na Universidade de Nova York, na Universidade de Washington, na Universidade de Rochester e na UPMC em Pittsburgh, entre outras instituições médicas.
Em outros lugares, Moss sugere que o paciente procure especialistas em tratamentos paliativos. Ele deve também, em seu testamento vital, documentar sua preferência por medidas conservadoras, incluindo os POLST (Instruções para Manutenção da Vida pelo Médico).
Organizações tais como a Coalition for Supportive Care of Kidney Patients (Aliança de Suporte a Pacientes com Doenças Renais) e a American Association of Kidney Patients (Associação Americana de Doenças Renais) têm bons websites. Moss também recomenda um site canadense, o Conservative Kidney Management (Tratamento Renal Conservador).
Com o tratamento conservador, John Everdell pôde passear bastante de barco. Mas no primeiro semestre do ano passado, depois de anos controlando a doença conservadoramente, Everdell, então com 69 anos, foi hospitalizado com insuficiência cardíaca, um problema comum em pacientes com insuficiência renal. Com isso, um terceiro transplante foi descartado, pois o rim que recebera já não funcionava.
Ele concordou em experimentar a hemodiálise peritoneal. Oakley lhe disse que, se ele odiasse, poderia parar.
Mas Everdell teve uma infecção grave. Quando o médico o aconselhou mudar para hemodiálise diária, "ele disse não, pois não queria viver assim", conta sua esposa. Ele explicou sua decisão ao médico, à irmã e a seu melhor amigo.
Everdell faleceu na Clínica de Tufts em maio, dois meses depois de ser internado e dois dias depois de recusar hemodiálise pela última vez. Sua companheira declarou que ele não estava arrependido.
Por Paula Span