Migração não é uma aventura simples. Por vezes as pessoas se veem sozinhas e sem dinheiro, precisam se adaptar a novos ambientes e, em muitos casos, necessitam buscar aceitação entre diferentes. Mas isso não significa abandonar as tradições e as raízes da terra natal. Pelo menos essa é a regra para um pequeno grupo de pais e filhos, imigrantes caribenhos, que se reuniu na manhã deste domingo ensolarado (20), no Parque Farroupilha, em Porto Alegre, para retomar o contato com a prática do beisebol.
A ideia, dotada de vontade mas ainda carente de recursos, é formar uma escolinha do esporte, aproveitando espaços públicos, para manter pequeninos venezuelanos e cubanos em contato com suas culturas e com o esporte que amam, um dos mais populares dos seus países.
A iniciativa partiu de Hector Lopez, 43 anos, motorista de transporte por aplicativo e morador de Porto Alegre há dois anos. Ele saiu da Venezuela, assim como outros milhares, em razão das graves e longas crises política e econômica que afligem o país. No país natal, Lopez morava na cidade de Valência e acompanhava com avidez os jogos da sua equipe de coração, o Navegantes del Magallanes. Sua esposa, Nepzady, é torcedora do rival Leones del Caracas, time da capital. O filho Eduardo, nove anos, está indeciso: não sabe se acompanha a influência do pai ou da mãe. Por lá, a família tinha contato cotidiano com o beisebol e o primeiro presente dos filhos, por tradição, é a luva e a bola de beisebol. É como o futebol para os brasileiros.
Aqui no Brasil, onde pretende ficar por longo tempo, Lopez sentiu falta do esporte. Acompanha apenas pela internet, distante, e nunca mais havia visto seu filho tentar os primeiros arremessos e o home run — rebatida em que o jogador percorre todas as quatro bases do campo, marcando um ponto.
— Na Venezuela, eu jogava sempre com meu filho. É muito popular. Saí de lá por causa da crise e o Eduardo sempre me perguntava, já em Porto Alegre, sobre jogar, treinar — diz Lopez.
Ouvindo a súplica do filho, ele passou as últimas semanas bolando planos. Contatou amigos caribenhos para falar da ideia de criar uma escolinha, esperou um domingo de sol e, finalmente, o primeiro encontro aconteceu.
Lopez não tem consigo, aqui no Brasil, nenhum dos apetrechos para a prática do beisebol — resolver a carência é um dos objetivos em vista. Seu filho chegou à Redenção apenas com uma carcomida bolinha de tênis no bolso. Era o que tinham disponível para simular os principais movimentos do jogo, cujas especificidades podem soar um tanto complexas para leigos.
Sem material, a intenção de Lopez era parcialmente teórica. Ensinar o posicionamento dos jogadores nas quatro bases, usar uma vareta para desenhar na areia o campo em formato de diamante, indicar os principais atributos dos atletas de ataque e de defesa, além de mostrar as técnicas de lançamento e de rebatida.
A situação se modificou com a chegada do cubano Javier Rigori e do seu filho, Akin, seis anos, nascido em Porto Alegre. O pequeno trazia um taco infantil e uma bola apropriada para o beisebol. Os primeiros quatro alunos da escolinha, que funciona sem custos, puderam transitar da teoria para a prática, revezando o equipamento disponível para treinar arremessos, rebatidas e corridas. Uma luva vermelha também apareceu, usada por aquele jogador que fica atrás do rebatedor. O clima ficou animado.
— Em Cuba, o beisebol é o esporte nacional. Estou fazendo fotos e enviando para o avô do Akin, que está lá. Todas as crianças ainda estão muito em casa (por causa da pandemia), jogando videogame. Isso é uma forma de eles se redescobrirem como crianças. Havia trazido esse taco e a bola de Cuba. Akin nunca tinha jogado com outras crianças aqui — conta Javier.
Gustavo Chacón, pesquisador e bolsista do Instituto de Química da UFRGS, levou o filho Lucas, sete anos, para voltar a viver o beisebol. Chacón explica que, nos países caribenhos, a popularidade do beisebol está associada às influências culturais e econômicas dos Estados Unidos.
— O Brasil é um dos países mais acolhedores e, para nós, é importante seguirmos nossa tradição — diz Chacón, uma das referências locais para imigrantes caribenhos.
No momento, a estimativa de entidades que auxiliam os estrangeiros é de que 4,5 mil venezuelanos estão vivendo no Rio Grande do Sul.
Edgar Amayz, também natural da Venezuela, trabalha como zelador em Porto Alegre. Está no Brasil há três anos. Ele e o filho Izan, cinco anos, estavam entre os participantes da reunião inaugural da escolinha de beisebol caribenha.
— Meu filho jogava com dois anos. Viemos para cá e ele acabou esquecendo. É importante para nós não abandonar a cultura do país. Vai que um desses guris chega na Major League Baseball (MLB) — sonha Amayz, citando a cintilante competição norte-americana.
Os meninos, até então, se contentam com bem menos. Estavam felizes com o que tinham neste domingo. Muito jovens e ainda em desenvolvimento da coordenação motora, os arremessos deles, em geral, eram muito altos ou baixos demais, o que prejudicava as condições para o rebatedor.
Mas houve evolução. Afinal, estavam ali também para aprender. Izan tirou da cartola um arremesso digno de aspirante a jogador, e Akin conseguiu rebater, acertando um tanto na orelha da bola. Foi o suficiente para ele surpreender a todos ao partir em disparada e fazer uma corrida pelas bases, ultrapassando a última delas, demarcada por um tijolo. HOME RUN!!!!!!