Forjado pela imigração de alemães e italianos, o Rio Grande do Sul ampliou, no último mês, as etnias que vivem em solo gaúcho. Desde o dia 30 de maio, três famílias de El Salvador e uma de Honduras vivem em Porto Alegre e Esteio, no Vale do Sinos. Outros dois grupos familiares devem chegar a Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, até setembro.
Fugindo da violência extrema em seus países – no chamado Triângulo Norte da América Central (TNAC), que inclui ainda a Guatemala –, o grupo chegou ao Rio Grande do Sul pelo programa de reassentamento de centro-americanos, promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em parceria com as agências da ONU para Refugiados (Acnur) e para Migrações (OIM). O Estado foi o primeiro do Brasil a dar refúgio na iniciativa do Governo Federal.
Selecionada como projeto vencedor do edital publicado em outubro de 2018 e implantado em 2019, a Associação Antônio Vieira (Asav) – Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados administra os recursos e é responsável por alugar os imóveis em que os estrangeiros viverão, além de providenciar a nova documentação para que reiniciem as vidas longe do país natal.
Atualmente, eles seguem na fase de atualização da documentação e participam de atividades de adaptação à nova realidade.
Prestes a receberem a carteira de trabalho nacional, hondurenhos e salvadorenhos disputam as mais variadas profissões. Há, entre os estrangeiros, de zelador à artista, segundo Karin Wapechowski, coordenadora de projetos da Asav.
- (O artista) é um artesão que esculpe em madeira. Ele foi forçado a vender todas as ferramentas, um equipamento super especial para fazer entalhe. Um verdadeiro artista, pega um tronco de árvore, qualquer pedaço, e transforma em arte.
Com cuidado extremo para manter sigilo sobre os perfis, os refugiados não podem ser fotografados ou ter as identidades reveladas.
- Eles estão em um período bem delicado, tentando adaptação à vida longe dos seus países. Demonstram um misto de medo e alegria, com ânsia de se preservarem. Nem nós mesmos temos acesso às histórias de cada um. É diferente dos venezuelanos, que escolheram o Brasil. Aqui a questão é de sobrevivência longe da violência – ressalta a coordenadora, complementando que entre os refugiados há pessoas que se negaram a integrar grupos criminosos e foram perseguidas por isso.
Muitas crianças foram recrutadas a prestar trabalho forçado às gangues, e mulheres viviam como escravas sexuais.
– Quem não se inclui nesse processo é perseguido – diz Karin.
Segundo a secretária de Cidadania, Trabalho e Empreendedorismo de Esteio, Tatiana Tanara, os salvadorenhos terão que passar por um forte tratamento psicológico.
– Eles se assustam com coisas que são muito triviais para nós, como uma tatuagem, uma pichação ou até mesmo números de partidos, que em seus países identificam as facções – explica.
A fartura da comida gaúcha – que também tem como base a colonização do Estado –, surpreende os novos moradores. Acostumados aos alimentos à base de milho, têm como hábito o preparo da pupusa, espécie de tortilha recheada.
Ajuda para uma melhor adaptação
Apesar da proximidade entre o português e o espanhol, os salvadorenhos têm recebido aulas de adaptação ao idioma. Através de bolsas de estudo à acadêmicos, a Unisinos cedeu dois estudantes de letras para ministras as atividades. Morgana Therezinha da Silva, 24 anos, trabalha no projeto desde o ano passado, quando o foco eram os venezuelanos que passaram a viver nas cidades gaúchas. Ela explica que as aulas têm foco nas demandas trazidas pelos alunos.
– Preparamos através do que eles precisam: como elaborar um currículo e como se preparar para uma entrevista de emprego, por exemplo. Ajudar a viver nessa nova realidade e saber circular, pegar ônibus – complementa.
Os salvadorenhos tiveram, até o momento, apenas um encontro, dividindo as carteiras com haitianos e venezuelanos.
- Eram duas famílias, com cerca de oito pessoas - entre adultos e crianças. Eles interagiram bem com todo mundo e trouxeram exemplos de sua cultura. Foquei no idioma em si, sem tocar muito no passado deles. Não precisam esquecer de onde vieram, pois faz parte do que são, mas há um cuidado para não aflorar o sofrimento - reforça.
A ONU ministrou cerca de 10 aulas para os estrangeiros, que chegaram ao Brasil "com uma comunicação surpreendente", segundo Morgana, que se mostra feliz com a oportunidade de auxílio humanitário:
– É muito gratificante. Aprendo e posso ajudar a dar uma nova perspectiva.
Na próxima semana, as famílias que vivem em Porto Alegre iniciarão aulas de português em uma escola contratada pela Asav. Os que têm idade para disputar vagas de emprego receberão as carteiras de trabalho a partir de segunda-feira.
São cerca de 15 pessoas vivendo há um mês em solo gaúcho. O número de estrangeiros pode chegar a 28, segundo prevê o edital. A verba do governo garante um ano de moradias subsidiadas. Para alimentação, cada pessoa tem um auxílio de R$ 178, entregues à instituição administradora.
Os próximos selecionados – processo realizado pela União –, viverão em Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo.