Isolados da grande parte da população, os 4 mil senegaleses que vivem no Rio Grande do Sul mantêm laços intensos. Só em Porto Alegre, são 1,2 mil. É um grupo que se reúne com frequência para trocar experiências sobre sair de um país de 15,4 milhões de habitantes, na África Ocidental, para chegar ao Brasil. No esforço de integrar as duas nacionalidades, a Associação de Senegaleses de Porto Alegre promoveu, no sábado e no domingo, o 1º Festival de Arte e Cultura Senegalesa, no Memorial do Rio Grande do Sul, no Centro Histórico.
— Queremos quebrar as barreiras entre o povo brasileiro e os imigrantes. Estamos aqui para somar culturalmente. Vem-se ao Brasil com expectativa de abertura, mas deparamos com uma realidade bem diferente. Além da dificuldade no reconhecimento dos diplomas, há o preconceito velado, que surge na falta de conhecimento — afirma, em português, Mor Ndiaye, 32 anos, presidente da associação e dono de uma construtora que emprega sete senegaleses.
Sobretudo a partir de 2012, centenas de famílias vieram ao Brasil do Senegal, país de língua francesa e de vários dialetos onde 95% da população é muçulmana. Os maiores destinos foram São Paulo e Rio Grande do Sul, em especial Caxias do Sul e Porto Alegre, devido à forte indústria. O grande objetivo, explica Ndiaye, é melhorar de vida. Hoje, o país ocupa o 164ª lugar em uma lista de 189 países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A programação do festival teve desfile de moda com roupas tradicionais, almoço típico no Clube do Comércio, apresentação de teatro e de cinema, bate-papo e uma feira de arte no Memorial. Math Art, nome artístico de Ousmane Mathurin Ndiaye, 41 anos, expunha pinturas em vidro de mulheres africanas. O imigrante que vive desde 2013 em Caxias do Sul trata de questões como a diversidade de etnias.
— Vim para cá como artista, sempre gostei do Brasil. Minha mulher veio junto e hoje temos um filho de dois anos — diz, em uma mistura de português e francês.
— Sou professora de francês, me formei na universidade. Já dei aulas particulares aqui no Brasil. No começo era difícil, eu não falava português nem conhecia a cultura. Nosso filho é "senegaucho" — brinca, à frente de uma estande de artesanato, Binetou Gueye, 32 anos.
No domingo, o destaque foi uma demonstração, na Praça Brigadeiro Sampaio, próximo à orla, da luta livre Laamb, a grande paixão dos senegaleses. O objetivo, aqui, é derrubar o adversário. Ao redor de um ringue improvisado no meio da praça, senegaleses com túnicas de cores marcantes se aglomeravam, faceiros. Tudo é espontâneo, mas o script é assim: grupos iniciam uma dança tribal em meio a batidas de tambores, depois o ringue é "batizado" com leite, ovos e ervas para a proteção, em seguida os assistentes dos guerreiros atiçam uns aos outros para, enfim, haver as disputas. A brincadeira anima todo mundo e arranca palmas dos brasileiros.
— De manhã, fomos no bate-papo que mostrou nosso desconhecimento sobre o Senegal e a África. Foi sensacional, muito enriquecedor. O Brasil é miscigenado, mas não é tão acolhedor quanto se acha. Eventos assim são importantes para quebrar barreiras — afirma a estudante de biomedicina Natasha Coralles Laps, 20 anos, ao lado da mãe, a técnica em enfermagem Nádia Coralles Laps, 53.
A luta teve seis guerreiros e, a cada round, uma comoção tomava os senegaleses. Mas os confrontos não têm nada de agressividade. Quando o último lutador tomba no chão, uma série de uivos corta o ar. O ringue, por fim, acaba invadido por dezenas de pessoas, que pulam de alegria e balançam as vestes coloridas.