Há quatro anos, a Copa do Mundo no Brasil trouxe uma nova realidade para a Serra Gaúcha. Um grande número de imigrantes africanos chegou à região. A situação gerou resistência e até episódios de preconceito, mas também resultou na criação de uma rede de acolhimento e assistência.
Durante a Copa de 2014, o fluxo migratório de ganeses foi muito intenso. Entre o final de junho e agosto, cerca de 370 chegaram a Caxias. Todos entraram legalmente no Brasil com vistos de turista válidos para a Copa do Mundo, já que Gana era um dos países na competição. O destino da maioria deles não era Caxias, mas Criciúma, em Santa Catarina, um dos principais redutos de imigrantes ganeses no país.
Devido à demora em conseguir documentos na cidade catarinense, eles vinham para Caxias, onde encaminhavam o protocolo de solicitação de refúgio na Polícia Federal. Com isso, podiam encaminhar o visto de trabalho e fazer os documentos necessários para que buscassem emprego no país. Enquanto aguardavam a documentação, uma vaga de emprego ou ambos, os ganeses ficaram em um alojamento improvisado no Seminário Nossa Senhora Aparecida.
Nem o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) nem os próprios imigrantes sabem precisar quantos ganeses ainda residem em Caxias, mas é um pequeno número. Um dos que optou em ficar na cidade é Moustapha Ibrahin, 32 anos. Ele trabalha em uma loja de vidros automotivos e divide um apartamento no centro com um amigo, também de Gana.
Moustapha chegou a Caxias do Sul há exatamente quatro anos. A ideia era ficar em Brasília, onde já morava o irmão. A passagem por Caxias seria apenas para fazer a documentação. Porém, logo após chegar à Serra, ele resolveu ficar no Rio Grande do Sul. Moustapha apenas deixou Caxias apenas na metade do ano passado, quando o pai, que ainda mora em Gana, ficou doente. Ele ficou no país natal por três meses. Na África, ele também tem a filha, de 14 anos.
— Voltar para Gana apenas para visitar. Aqui virou a minha casa. Só vou para ver a família — afirma o imigrante.
Moustapha considera que ganhou outra família em Caxias. É assim que ele se refere aos amigos que fez na cidade.
De fato, a rede de apoio e acolhimento faz um forte trabalho de aproximação com os imigrantes. Enquanto poucos ganeses se estabeleceram na Serra, muitos imigrantes de outro país da África optaram por viver em Caxias. Os senegaleses começaram a chegar ao longo da última década e hoje são cerca de 600 morando na maior cidade da região, conforme estimativa do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM). O auge da população senegalesa em solo caxiense foi entre 2014 e 2015, quando havia cerca de 3 mil na cidade.
Mas, conforme a Irmã Maria do Carmo Santos Gonçalves, do CAM, Caxias é um destino consolidado de imigrantes, que continuam chegando todos os anos. Recentemente, porém, eles têm migrado internamente para outras regiões do Estado e do Sul do país. O fluxo migratório intenso também ocorreu com haitianos depois de 2010, quando um terremoto causou devastação no país da América Central. Cerca de 1,5 mil moram em Caxias.
Intercâmbio cultural
Iniciativas que surgem dentro das próprias comunidades de imigrantes e com a ajuda de brasileiros têm tornado mais fácil a adaptação. Um exemplo é o Coletivo Ser Legal, criado em 2015 pelo senegalês Cheikh Mbacke Gueye, que está no Brasil desde 2008 e, em Caxias, desde 2012.
Nesta semana, Cheikh estava cheio de compromissos por causa da segunda edição do Almoço Ser Legal, que ocorre no domingo (24). Serão servidos pratos típicos da culinária senegalesa. Além do almoço, que tem ingressos a R$ 40 para adultos e R$ 20 para crianças de sete a 11 anos, haverá apresentação musical e venda de artesanato. O encontro no salão da comunidade Nossa Senhora de Fátima é uma oportunidade para a integração de culturas.
— A gente acha muito importante fazer esses eventos porque isso nos lembra nosso país, nosso costume, nos faz nos sentir na nossa casa e também trocar essa cultura com brasileiros. Acho que isso é muito importante para nós e para eles também.
Cheikh, que trabalha também como motorista de aplicativo, coordena o Coletivo que reúne 12 voluntários. Fora o senegalês, todos são brasileiros. São professores, jornalistas, músicos e outros profissionais dispostos a doar um pouco do tempo para auxiliar na inclusão dos imigrantes.
Uma da principais iniciativas do Coletivo são aulas de Português para imigrantes. São quatro módulos para ensinar gramática, mas também lições de Economia, Política e História do Brasil. As aulas ocorrem duas vezes por semana na Faculdade Murialdo. O critério é apenas um: ser estrangeiro. A maior parte são senegaleses e haitianos. Entre os voluntários está a professora Joceli Picola.
— Eles vêm para cá para construir a sua vida aqui. Muitos têm a esperança de trazer a família para o Brasil, outros já têm família aqui. Então, todos os que a gente conhece não vêm para aventurar, mas vêm buscar melhores condições de vida e desenvolver melhor o nosso país porque eles têm muito carinho, muito afeto por nós.
Para Juliana, trabalhar como voluntária é uma possibilidade de se sensibilizar e perceber que o ser humano deve ser mais importante que as fronteiras. Além de aprender, os imigrantes também estão dando aulas em Caxias. Dois senegaleses ensinam francês para brasileiros.