O projeto de lei que prorroga por mais quatro anos o prazo para a proibição da circulação de Veículos de Tração Humana (carrinhos de metal) no trânsito de Porto Alegre foi vetado pelo prefeito Nelson Marchezan. Aprovado na Câmara de Vereadores, inclusive, com o apoio da base do governo, o projeto tinha como justificativa a falta de propostas que ofertem alternativa de trabalho aos 524 carrinheiros cadastrados pelo Sistema de Gerenciamento da Busca Ativa – destes, 271 atuam somente no Centro e nos bairros Humaitá e Navegantes.
Entre as razões para o veto total, o prefeito esclarece estar se baseando na Lei Orgânica Municipal, que destaca como competência apenas do prefeito "dispor sobre a estrutura, a organização e o funcionamento da administração municipal". Ele reforça ainda que, entre os assuntos de iniciativa privativa do Executivo, encontra-se a regulação da circulação nas vias do município. E encerra dizendo que há vício de iniciativa e "o presente Projeto de Lei invade, sobremaneira, a seara de atividades tipicamente administrativa, ferindo o Princípio da Independência dos Poderes". Em resumo, a proposta deveria ter partido do governo e não do Legislativo.
Para o autor do projeto, vereador Marcelo Sgarbossa (PT), a negativa do prefeito surpreende. Marcelo ressalta ter ocorrido uma extensa negociação com a base do governo, havendo consenso de que a melhor alternativa seria a prorrogação.
– Não entendi a justificativa do prefeito. Esta é uma questão de relevância social. A proibição apenas por si levará famílias inteiras ao desemprego completo – diz.
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O veto do prefeito está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de Vereadores, que terá 30 dias para analisar a questão. Porém, como haverá recesso na segunda quinzena de julho, ele só deverá ser votado em agosto. Até lá, segue valendo a circulação dos carrinheiros pelas ruas da cidade. A reportagem tentou contato com o prefeito, via assessoria de imprensa, mas até o fechamento desta reportagem não houve retorno.
Entre os catadores, a decisão da prefeitura também surpreendeu. Liderança no Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis, Alex Cardoso vê como retrocesso a decisão.
– O que está ocorrendo na cidade é um retrocesso no processo de reciclagem e inclusão social. O Todos Somos Porto Alegre (programa de inclusão de carroceiros e carrinheiros no mercado formal de trabalho) falhou na sua principal função, e agora querem piorar as condições que restam e descartar o ser humano – desabafa.
Depois de 25 anos puxando carrinhos pelas ruas da Capital, Luis Fernando Andrade, 49 anos, teme pelo fim da função que garante o sustento dele. Com ensino médio completo e experiência na construção civil e como auxiliar de cozinha, Luis Fernando optou pela reciclagem quando viu as portas formais se fecharem.
– Vi uma chance de sobreviver. Hoje, tenho os lugares fixos onde busco material e meus clientes. Esta decisão do prefeito só vai deixar mais gente desempregada. Vou fazer o que com esta idade? Roubar? – se pergunta.
O mesmo questionamento tem sido feito pela catadora Silvia da Silva, 50 anos, 17 deles trabalhados na reciclagem. Moradora do Loteamento Santa Terezinha, na área central da Capital, Silvia optou pelo trabalho árduo de andar quilômetros pelas ruas todos os dias quando o analfabetismo afastou qualquer possibilidade de outra função.
– Distribuí currículos para trabalhar como diarista, mas não saber ler atrapalha muito. Prefiro enfrentar o olhar de nojo das pessoas, quando ando com o carrinho, do que ficar sem ter o que comer – resume.
"Não haverá retaliação"
A coordenadora do Todos Somos Porto Alegre, Denise Souza Costa, ligada à Secretaria Municipal de Relações Institucionais e Articulação Política, ressalta que, apesar do veto do prefeito, não há previsão de fiscalização contra os carrinheiros que continuarem na função.
– Não haverá retaliação. Mesmo com a troca de governo, seguimos atendendo esta população. Realinhamos as ações e vamos dedicar atenção especial aos filhos dos catadores para que a próxima geração tenha novas oportunidades no mercado de trabalho – explica.
Entre as ações que deverão ser desenvolvidas nos próximos meses estão a parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para a criação de um centro de recondicionamento de computadores onde filhos de catadores teriam prioridade na formação profissional em consertos de máquinas. Outra meta do programa é estreitar os laços com os carrinheiros ligados ao Loteamento Santa Terezinha, onde há a maior concentração de catadores da Capital (cerca de 230). A área de reciclagem deverá ser reformada, por meio de parcerias com empresários da região e com uma universidade. Também serão reestruturadas cinco unidades de triagem, com obras de reformas e aquisição de equipamentos.
Segundo Denise, o programa retirou cerca de 1 mil recicladores da atividade nas ruas da Capital. Além disso, 986 pessoas concluíram qualificações em várias áreas, como construção civil, gastronomia, beleza, gestão de resíduos, cooperativismo, empreendedorismo.