Desativado desde 1970, um bonde voltou às ruas de Porto Alegre na manhã desta quinta-feira. Desta vez sem energia elétrica, sua aparição foi em cima de um caminhão-guindaste, que transportou o ainda imponente veículo da Avenida Otto Niemeyer até a Rua Dr. Mário Totta, no bairro Tristeza, na zona sul da Capital. Instalada ao lado de um ateliê, a unidade original da companhia Carris, depois de desativada, já abrigou uma igreja evangélica e uma sala de arte.
– Eu estou tremendo de nervosa, o coração está a mil – exclama a arquiteta e proprietária do "veículo" Ângela Ponsi, 44 anos, que acompanhava o processo de içamento do bonde desde às 8h com o celular a postos para registrar todo e qualquer movimento.
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A estrutura foi levada para a Associação Recreativa Cultural e Esportiva (Adesbam). De acordo com Ângela, foi firmada uma parceria com a entidade para promover uma programação cultural no local e fomentar as atividades artísticas na Zona Sul. A ideia é receber o público e escolas da Capital a partir de uma agenda que ainda não tem data de divulgação. A decisão de mudar o bonde de local surgiu quando o valor do aluguel do terreno onde a estrutura estava começou a pesar no bolso.
– Hoje, estou realizando um sonho. Eu não queria vender, então busquei uma parceria que fosse manter a mesma proposta cultural e histórica que realizamos desde que adquirimos o bonde. Ele continuará sendo meu, só vai mudar de lugar. É amor antigo – brinca Ângela.
Desde outubro de 2016, a arquiteta estava em busca de transportadoras e de licenças da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para fazer o deslocamento do veículo.
– É histórico! É a primeira vez que carregamos um bonde. Hoje em dia, é raro ver um na rua, né? – diz, orgulhoso, Rodrigo dos Santos, 34 anos, gerente da Breno Guindastes, empresa que trabalhou no içamento da estrutura.
Templo religioso e artístico
Foi amor à primeira vista quando Zilka Ponsi, 86 anos, hoje aposentada, e a filha Ângela depararam com o bonde de 13 metros de comprimento e 3 de largura antes que a estrutura virasse sucata. A relíquia amarelo-ocre pertence à família há 18 anos.
–A minha filha é apaixonada por coisas antigas e ela merecia muito, é muito lindo! O bonde ia ser vendido ao ferro velho, aí trouxemos lá do Lami – rememora dona Zilka, que pagou cerca de R$ 2 mil no negócio.
Antes de ser comprado, em 1998, o bonde era ponto de encontro de religiosos do bairro Lami. No local, funcionava uma igreja evangélica. Dona Zilka conta que o pastor quis vender porque queria construir um espaço maior para receber seus fiéis e não seria possível com a estrutura no terreno. Daquele tempo para cá, o veículo passou por uma restauração, mantendo a cor original e trocando apenas o piso. Fixado ao lado do ateliê da família, o espaço foi utilizado para saraus, apresentações de teatro e atividades artísticas.
– A mãe é pintora autodidata, tinha esse espaço de arte e recebia os amigos aqui. Em 2009, inauguramos o Atelier do Bonde, abrimos a área para visitação de escolas, realizamos oficinas, contação de histórias, noites de autógrafos. É um trabalho muito bonito que quero dar continuidade agora no novo espaço – comenta Ângela.
O custo da primeira restauração e dos içamentos do Lami até a Tristeza e da Avenida Otto Niemeyer até a Rua Dr. Mário Totta foi por meio de recurso próprio. Atualmente, a estrutura precisa de um retoque na pintura e alguns reparos para voltar a oferecer atividades à comunidade.
– Quero colocar bancos dentro do bonde. Nós temos um projeto de restauro e de paisagismo para a área onde ele ficará de agora em diante.
Ainda não há data para a inauguração do novo espaço e para o início das atividades abertas ao público.