Em meio a semanas de informações desencontradas e nada esclarecedoras sobre o que tem causado alterações no cheiro e no gosto da água em Porto Alegre, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) mudou a versão divulgada no começo da semana. O órgão informou, nesta quarta-feira, que a maior concentração da bactéria que pode ser uma das causas do problema não estaria na casa de bombas da Trensurb, mas na Casa de Bombeamento nº 5 do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), a quase dois quilômetros do ponto indicado inicialmente. A água do local não está entre as amostras enviadas para análise em um laboratório de São Paulo, que devem ficar prontas na segunda quinzena de julho.
– Estamos numa investigação. Essas coisas passam por um processo de tentativa e erro, porque vamos por meio de hipóteses. Existe a bactéria na Trensurb? Existe. A bactéria existe em muitos lugares. Mas não podemos sequer afirmar que é a principal responsável (pelas mudanças na água). Pode ser que não esteja sozinha – justificou a secretária estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini.
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Na estação da Trensurb, investigada pela Fepam, os actomicetos estariam em menor número do que os 35 milhões por mililitro divulgados. Segundo a secretária, o número foi apenas uma estimativa que não se confirmou. Uma análise "mais detalhada" feita pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) teria indicado que esse valor corresponde à amostra colhida na casa de bombas do DEP.
A Fepam e o Dmae não disseram qual seria a quantidade de bactérias na Trensurb, onde o odor é forte e semelhante ao verificado por moradores na água que sai da torneira.A nova versão da Fepam surgiu após uma reunião com o Dmae na noite de terça-feira. Representantes dos dois órgãos se encontraram para falar sobre o problema da água na Capital, que persiste há quase um mês e meio sem respostas conclusivas.
Na ocasião, teriam sido "reavaliados" os laudos de análises laboratoriais. Com a nova constatação, conforme Ana Pellini, "é possível" que a casa de bombas do DEP também entre nos testes de poluentes que estão sendo feitos em São Paulo – cujas amostras foram coleatadas na água bruta e na água tratada da estação São João do Dmae, em um ponto do Guaíba perto da rodoviária, na casa de bombas da Trensurb e em uma empresa de tratamento de efluentes líquidos.
Localizado junto à Vila Farrapos, na Zona Norte, o novo foco da proliferação de bactérias é uma rede de contribuição mista: além de água da chuva, recebe também esgoto cloacal, de origem doméstica e industrial. Virou alvo de coleta para análise semanas atrás, segundo o DEP, porque haveria desconfiança de que "algo diferente" estaria ocorrendo no local. A ideia era reunir material para verificar a existência de possíveis ligações irregulares ou detectar indústrias que estejam largando efluentes sem tratamento na água.
Para a secretária do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, até o momento, não há informação suficiente para relacionar o problema a possíveis resíduos industriais na água. Licenciada pela Fepam, a empresa de tratamento de efluentes líquidos que entrou na amostragem estaria dentro dos padrões estabelecidos pelo órgão e não teriam sido identificadas outras empresas, que, de forma clandestina, estivessem liberando efluentes não tratados na rede.
– Nossa maior desconfiança é de que (o problema) chega do esgoto doméstico – disse.
Procurados pela reportagem, Dmae repassou o caso à Fepam e o DEP informou que, a partir de agora, questões relacionadas à água seriam esclarecidas diretamente pela assessoria de comunicação da prefeitura, que enviou nota sobre o assunto (veja abaixo).
Esgoto doméstico na rede é "um desastre", diz especialista
Encarada sem alarde pela Fepam, a possibilidade de haver esgoto doméstico contaminando a água que é bombeada para o Guaíba – e utilizada para o abastecimento – é vista com preocupação por quem entende do assunto.
Especialista em recursos hídricos, Carlos Tucci considera a hipótese "seríssima". Segundo ele, uma situação como essa indicaria que não há uma distância segura o suficiente entre a rede mista e o ponto onde a água é captada.
– Essa influência (da esgoto cloacal sobre a água que chega para o tratamento) teria de ser quase zero. Se isso está conectado, é um desastre. Pode haver coliformes, metais, não só bactérias – avaliou.
Conforme Tucci, em um caso como esse, a limpeza da rede não seria suficiente para garantir água livre de contaminação nas torneiras:
– Teria de se procurar um lugar mais seguro para adução.
* Zero Hora