Na excelente entrevista realizada por Marcelo Coelho com o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Jessé Souza, o sociólogo governista foi exemplar em matéria de insultos ideológicos, de militância partidária e de chavões de passeata com o arcaico sabor dos anos 1950. Sérgio Buarque de Hollanda, Raymundo Faoro e Roberto DaMatta são liberais criadores de uma mistificação para explicar as singularidades do patrimonialismo e do atraso brasileiros; "a mídia conservadora" (será a Folha de S. Paulo, que o entrevista? Ou será esta Zero Hora?) é manipuladora; a "meia dúzia que manda no Brasil" e que quer "acesso privado às riquezas do país" e a classe média "coxinha que pagou de campeã da moralidade" indo às ruas protestar (em 2013 como em 2015) são os agentes da desgraça no país; quem não pensa como Jessé, obviamente, é "tolo". Tudo isso está em, em versão com insultos completos (e com a igual carência de argumentos), em um livro seu, A Tolice da Inteligência Brasileira, publicado pela editora Leya.
Poderia ser escandaloso que o presidente de uma das mais importantes instituições de pesquisa do país escrevesse um livro (e desse entrevista) valendo-se da linguagem e dos, digamos, "conceitos" de um militante de centro acadêmico que vende miçangas e reclama dos pais "burgueses liberais". Poderia, mas não é. Em 2007, quando o militante petista Márcio Pochmann (candidato derrotado do PT à prefeitura de Campinas em 2012) assumiu a presidência do Ipea, instalou-se um clima de caça às bruxas e de contaminação ideológica. Contrariando uma louvável tradição da instituição, economistas e pesquisadores com visão divergente do governo - isto é, aqueles que criticavam os desvarios estatistas e o descontrole nos gastos públicos, ou que não se alinhassem com o visão de mundo sindicalista e corporativa de Pochmann - passaram a ser desligados da instituição ou claramente isolados em seu interior. Dois casos ilustram perfeitamente a degradação intelectual, profissional e moral do patrimonialismo ideológico - vamos chamar as coisas pelo nome: aparelhamento partidário - que a instituição sofreu com o PT no poder.
Primeiro. Um dos quadros mais destacados do Ipea, o economista Ricardo Paes de Barros é referência mundial na elaboração de políticas públicas voltadas ao combate à pobreza e à desigualdade social. (Já escrevi sobre ele nesta coluna do PrOA). Economista de formação liberal (estudou em Chicago sob a orientação do Prêmio Nobel James Heckman), foi, juntamente com Ricardo Henriques e Marcos Lisboa, um dos criadores de nada menos que o Bolsa Família - grande programa de combate à pobreza extrema que reuniu e turbinou os programas sociais do governo Fernando Henrique (1995 - 2002) durante o primeiro mandato de Lula (2003 - 2006). O que acontece com Paes de Barros com a chegada de Pochmann à presidência do Ipea? Foi isolado e praticamente apagado da instituição. Em entrevista à Revista Piauí (novembro de 2012), o próprio PB relata o episódio: "É muito esquisito. Você estar numa instituição, entrar no site da instituição, e você não existe. Não tinha trabalho meu, não tinha nada. Teve até o caso de ter reunião com o presidente Lula, viajar com ele para ver a transposição do São Francisco, fazer seminário com cinco ministros, e não aparecer nada no Ipea. Fui escolhido para a Academia Brasileira de Ciências durante esse período. Não apareceu nada." Esse estalinismo domesticado, endêmico a diversas correntes de esquerda, deformou e vem deformando instituições como o Ipea.
Segundo. Márcio Pochmann e outros que chegaram às posições de mando no Ipea sabiam bem que futuro queriam para a instituição. Queriam um futuro Jessé. Consta que Pochmann, desses economistas que desprezam matemática e fatos (o leitor pode, por favor, imaginar um cirurgião que despreze biologia, por exemplo), contou com o apoio do então ministro especial da Secretaria de Ações de Longo Prazo (Sealopra), Magabeira Unger. O exótico Unger não tem nada de exótico quando o assunto é a ideologia reacionária da esquerda brasileira. Desde seu livro de 1972, Knowledge and Politics, sua posição é tão radicalmente antiliberal que se opõe a Marx porque, em sua obra, "a crítica do pensamento liberal não é levada às suas últimas consequências". Afinados, Pochmann e seu time realizaram um concurso público para o Ipea em 2008, em cujas provas foram esvaziados os conteúdos de matemática e multiplicaram-se pérolas do esquerdismo pátrio como "A especulação financeira vislumbra como luz no fim do túnel o brilho do tesouro nacional".
O patrimonialismo ideológico do PT, hoje, passa por "inteligência brasileira". O que é obviamente, isso sim, uma grande tolice.