Para uma geração que aprendeu a buscar e transmitir informação arrastando os dedos em telas de celulares, as marcas Olivetti, Triunfo, Remington e Facit são ilustres desconhecidas. Mas muita gente ainda lembra com saudade desses nomes e, quando descobre a loja de Ebanez Flores, no centro da Capital, vê aflorar o seu saudosismo.
Instalado no final da Rua Espírito Santo, ao lado da Catedral Metropolitana, o senhor de 75 anos natural de São Pedro do Sul poderia dar conselhos sobre como sobreviver em tempos de crise. Há 44 anos consertando máquinas, ele não deixou a peteca cair nem diante da explosão de tablets, smartphones e ultrabooks.
Tudo nasceu de um peitaço. Aos 31 anos, quando era vendedor de perfume, frequentava a empresa Caldas Junior para usar o telefone e falar com o chefe em São Paulo. Foi lá que conheceu a assistência técnica de máquinas. Gostou tanto que pediu as contas no emprego e, com a verba da rescisão, comprou toda a parafernália para o conserto.
Aprendeu observando. De início, seu contrato era para arrumar quatro equipamentos de uma empresa. Em questão de tempo, atendia três jornais, cinquenta empresas do centro e quase 20 agências bancárias, além de empresas do interior.
Até o final dos anos 90, foi ele quem consertou o instrumento de trabalhos dos principais repórteres da imprensa gaúcha. O escritor Moacyr Scliar era seu freguês. No tempo áureo das máquinas, chegava a consertar 150 por mês.
Ao menos 24 anos foram dedicados às máquinas da imprensa gaúcha
Foto: LARA ELY
- Os repórteres gostavam de derrubar máquinas. Por mês, caíam umas três. Não eram muito cuidadosos. Mas eles podiam tudo naquele tempo. Eram a "menina dos olhos" do dono do jornal - diz Flores.
Ele lembra com saudade de quando trocava a fita das máquinas de quem fabricava as principais notícias do Estado ("repórter não sabia trocar fita"). Compara as antigas redações de jornal a bancos - na lembrança de Flores, "lugares agradáveis onde as pessoas iam tomar café, saber as novidades, contar histórias e sempre tinha alguém pronto para um dedo de prosa". Com a chegada da globalização e todo seu aparato tecnológico, as coisas começaram a mudar.
No governo Fernando Henrique, ele não acreditou que a nova moeda, o Real, daria certo. Pensou que o boom da nova economia era passageiro, torceu o nariz para a tecnologia e não quis se atualizar. Pagou um curso de máquinas elétricas para três funcionários, mas não fez questão de aprender. Foi ali que o negócio começou a minguar. Ele jura não se arrepender de ter insistido.
- Até hoje, tem gente que usa máquina de escrever. Alguém precisa consertar né? - exclama, otimista.
Em sua oficina, Flores abre, lava, conserta, lubrifica e troca a fita das máquinas
Foto: LARA ELY
Assim como o aparelho de toca-discos, a máquina de escrever é um apetrecho retrô indispensável no acervo de colecionadores e hipsters que seguem a onda de retorno ao passado. Para esse público, a sua loja cai como uma luva, pois vende peças originais reformadas a preços entre R$170 e R$ 200. No mais, é um legítimo hospital de máquinas de escrever, com direito a gavetinhas de peças, coleção de sprays e "mesa cirúrgica" para reformas. Ebanez Flores revitaliza ali itens de colecionadores e até unidades usadas pelo Diário Oficial da União.
Com o restauro de uma ou duas por dia, ao custo de R$ 150, mais as vendas que realiza, ele consegue ir levando o negócio. A mulher já disse para ele parar, mas Flores não consegue. Nem quer. Nesses anos todos, foi um dos últimos que restou na cidade realizando a tarefa. Quando já não for mais útil, vai restar a história para contar. Desse trabalho, ele jamais vai abrir mão.