Após a divulgação de imagens (vídeo abaixo) que mostram o taxista Daniel Trindade Coelho trabalhando normalmente em Porto Alegre com o veículo Voyage vermelho, de prefixo 2742, o permissionário do táxi, Elias Teófilo de Souza, 82 anos, descadastrou o condutor na tarde desta quarta-feira. Coelho atropelou e matou o ciclista Joel Fagundes, no dia 8 de fevereiro, próximo ao Aeroporto Salgado Filho. De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), ele estava com a licença suspensa desde 18 de março.
Porém, mesmo com a ordem para não trafegar mais até a data do julgamento - ainda indefinida -, Coelho seguia trabalhando na região do aeroporto, como revelou Zero Hora em reportagem ontem. Souza disse que a EPTC não comunicou a suspensão e que eles foram pegos de surpresa:
- Hoje (quarta) à tarde a EPTC ligou para mim. Nem sabia para o que era. Eles foram bem sucintos com a gente: ou descadastra o carteirão dele (Coelho), ou iriam apreender o carro. O carro continua trabalhando normal. O carteirão está com ele e ele vai ter que levar lá. Eu vou descadastrá-lo
Ricardo de Souza, 52 anos, filho do permissionário e agora o único taxista vinculado ao pai, disse que, devido à repercussão na mídia, foi até a sede da EPTC na manhã desta quarta e que só então foi informado que o carteirão de Daniel estava suspenso. Ele garante que a determinação foi aplicada no dia 12 de maio. Segundo ele, Daniel havia sido chamado na EPTC em março, quando compareceu junto de uma advogada, mas o órgão não teria mencionado a suspensão.
O presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, rebate que a suspensão está vigorando no sistema do órgão desde o dia 18 de março (veja documento abaixo), e que a família de Coelho recebeu diversas notificações para que ele entregasse o carteirão à prefeitura.
- Fizemos diversas tentativas e ele (Coelho) sistematicamente ignorou.
Recibo com informações adulteradas
Vanderlei Cappellari salienta que Souza comprometeu-se formalmente a não entregar mais o carro a Coelho após o atropelamento e morte do ciclista. Porém, durante a semana passada, Zero Hora acompanhou os movimentos do taxista e constatou que ele dirige normalmente pela cidade.
Em uma corrida com a reportagem, ele falou que atua sempre no aeroporto e, no final, alterou as informações do automóvel em um recibo (imagem abaixo).
Também em março, o coletivo Mobicidade denunciou à EPTC que Coelho estava trabalhando e uma equipe do órgão fez buscas, sem sucesso. Questionado se o permissionário foi chamado para falar à época, Cappellari argumenta que não havia indícios fortes para que ele fosse convocado.
Alta velocidade em avenidas da Capital
Além de não respeitar a suspensão da licença, Trindade seguia conduzindo o táxi em alta velocidade, inclusive dentro da área do Salgado Filho. Na corrida feita com a reportagem, ele andou por avenidas como Ipiranga, Bento Gonçalves e Aparício Borges em picos de velocidade de até 100 km/h.
Ele fazia ponto na madrugada, entre o Salgado Filho, Avenida Farrapos e Parque Harmonia. No histórico do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), consta que o táxi de prefixo 2742 possui quatro multas por excesso de velocidade, entre os anos de 2013 e 2015.
- Foi só o tempo de o proprietário do carro chapear que ele já estava aqui no aeroporto de novo. Em uma das vezes, após o atropelamento, vi a EPTC abordá-lo, pedir a documentação e liberar. Me sinto desamparado pela empresa que deveria regular nosso serviço. Essa morte (de Joel Fagundes) foi anunciada. Nós sabíamos que, mais hora, menos hora, alguém morreria atropelado - denuncia um taxista que atua no Salgado Filho. Por medo de represálias, ele não quis se identificar.
Crédito: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
"Como pode ter tanta impunidade?"
Depois do acidente em 2005, Daniel foi a uma delegacia de Gravataí e comunicou, segundo o inquérito, que seu carro havia sido roubado, "desejando esquivar-se da responsabilidade pelos delitos que praticara". Coelho foi condenado por duplo homicídio de trânsito em 20 de julho de 2007 a uma pena de 12 anos, que depois foi reduzida pelo Tribunal de Justiça (TJ) para nove anos e quatro meses.
O taxista ainda teve outra condenação criminal. Em fevereiro de 2004, participou de um furto no bairro Bom Fim, também na Capital. A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade. Em julho de 2012, ganhou liberdade beneficiado por um indulto.
- Me sinto como se eu fosse um nada. Não consigo digerir isso. É complicado saber que uma pessoa que comete um ato desses está trabalhando como se nada tivesse acontecido. Não consigo absorver. O meu sentimento é de revolta. Como pode ter tanta impunidade? - questiona Eduardo Macedo, cicloativista que pintou a ghost bike de Joel Fagundes e organizou uma pedalada em homenagem ao arquiteto, em fevereiro. Ele afirma que uma pedalada contra a impunidade será convocada para a próxima sexta-feira, em Porto Alegre.