O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos autores do projeto que pune quem interromper uma gestação com mais de 22 semanas, mesmo nos casos permitidos em lei, admitiu que a votação da proposta na Câmara dos Deputados poderá ficar para depois das eleições municipais.
A mudança de postura do deputado da bancada evangélica veio após uma enxurrada de críticas, que primeiro inundou as redes sociais e depois ocupou as ruas de diversas capitais brasileiras na última semana. Enquanto a urgência do projeto foi aprovada em uma votação que durou apenas cinco segundos, a votação da matéria em plenário terá "o ano todo" para acontecer, disse Sóstenes.
Segundo o deputado em entrevista, o projeto é uma promessa feita pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), quando se candidatou à reeleição em 2023, e o cumprimento dela está vinculado agora ao apoio para a eleição de um sucessor. Lira permanece na presidência da Casa até final do ano, quando não poderá se candidatar outra vez.
— Não estou com pressa nenhuma. Votei a urgência e agora temos o ano todo para votar isso. O Lira tem compromisso conosco e ele pode cumprir até o último dia do mandato dele — disse, afirmando que sem que Lira cumpra o combinado "fica difícil de pedir apoio (para seu candidato à sucessão)".
O apoio do partido de Sóstenes, mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é visto como estratégico, já que se trata da maior bancada da Casa, com 95 deputados. A escolha do novo líder da Câmara está marcada para fevereiro de 2025.
A Frente Parlamentar Evangélica é poderosa na Câmara e apoiou Lira em suas duas candidaturas à presidência da Casa. Até agora, porém, não definiu seu candidato à sucessão do deputado alagoano, e tem cobrado dele o apoio às pautas conservadoras. Lira prometeu à bancada, em maio, que consultaria o colégio de líderes sobre a votação do pedido de urgência do projeto do aborto.
E foi o que fez na última quarta-feira (12), quando conduziu a votação relâmpago e simbólica da urgência, que não teve o número e a ementa do requerimento anunciados. Após a repercussão negativa, Lira viu o próprio nome vinculado à matéria, que ficou conhecida como "PL do Estuprador". Para remediar o dano na imagem, o presidente da Casa disse que pautará uma deputada mulher, de centro e moderada para ser a relatora do projeto.
Autor do projeto, Sóstenes lê a postura do governo, que demorou para se pronunciar sobre o caso, e a falta de resistência para conferir celeridade ao processo como um cenário onde está "tudo dominado".
— O governo está dando corda para as feministas nesse assunto, elas estão desesperadas. Eu estou muito calmo, deixa elas sapatearem. Eu já ganhei, votamos a urgência, sem nominal, ninguém chiou, tudo caladinho, tudo dominado, dominamos 513 parlamentares. Eu sei jogar parado, eu jogo parado — afirmou.
O governo demorou, mas também se posicionou sobre o projeto após a grande repercussão contrária. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou no último sábado (15), que é uma "insanidade" querer punir uma mulher vítima de estupro com uma pena maior que um criminoso que comete o estupro.
Em fala à imprensa na Itália, onde participava de reunião do G7, Lula afirmou ser pessoalmente contra o aborto, mas disse que o tema deve ser tratado como uma questão de saúde pública. Ele defendeu que a legislação sobre interrupção da gravidez permaneça como é atualmente. A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, precedeu o marido e na sexta-feira (14), já tinha usado as redes sociais para afirmar que o projeto é "um absurdo e retrocede em nossos direitos".