O governo do Rio Grande do Sul reagiu com cautela ao plano de revisão no contrato de dívidas dos Estados apresentado nesta terça-feira (26) pelo Ministério da Fazenda. A proposta estipula uma redução nos juros do pagamento em troca da ampliação do número de matrículas no Ensino Médio de nível técnico.
Ao deixar a reunião com o ministro Fernando Haddad, em que conheceu o teor do programa desenhado pela União, Eduardo Leite disse que a proposta é boa, mas ponderou que ainda será preciso medir seu impacto para verificar se ela será suficiente para atender o interesse do governo gaúcho, de aliviar o fluxo dos pagamentos.
Para os próximos dias, estão previstas reuniões entre os secretários de Fazenda dos Estados e membros da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para detalhar os parâmetros do programa e as condições previstas. Com esses detalhes, o Palácio Piratini conseguirá estimar o tamanho do alívio no caixa.
— Mergulhando nesses dados, os Estados terão melhores condições de entender o quanto este acordo que está sendo colocado na mesa é suficiente ou não para atingir o objetivo que temos, que é a sustentabilidade fiscal — discorreu Leite.
A medida apresentada por Haddad vincula a queda nos juros à ampliação da rede de ensino profissionalizante. Para aderir, os Estados terão de se comprometer a gastar ao menos metade do que for economizado com o serviço da dívida com a matrícula de mais estudantes nessa modalidade.
Não ficou claro, por exemplo, se o valor extra desembolsado para abrir essas vagas poderá ser incluído no gasto obrigatório com educação, que é de, no mínimo, 25% da receita anual. Hoje, para chegar a esse percentual, o Piratini computa o gasto com pagamento de aposentadorias e pensões.
A reportagem solicitou avaliação da Secretaria Estadual da Fazenda a respeito das condições apresentadas e aguarda retorno.
O programa do governo federal será oferecido a todos os Estados, mas foi apresentado antes aos governadores do Sul e do Sudeste. Juntos, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais detêm 90% do estoque da dívida das unidades federativas com a União.
No caso do Rio Grande do Sul, o passivo cresceu mais de R$ 10 bilhões em 2023 e atingiu R$ 92,9 bilhões, o equivalente a mais de um ano e meio da arrecadação. Pelas contas da Secretaria da Fazenda, o pagamento se tornaria insustentável a partir de 2028.
A renegociação dos termos da dívida é discutida com o Ministério da Fazenda desde a metade do ano passado. O Piratini apresentou uma proposta que reduziria o saldo devedor, prevendo recálculo da correção monetária e aplicando juros nominais de 3% ao ano, mas a ideia não foi adiante.
Há 10 dias, quando passou por Porto Alegre, o presidente Lula prometeu publicamente o aval do governo federal à renegociação.
Na reunião com os governadores, nesta terça, Haddad disse que as soluções que foram apresentadas pelos Estados têm um custo muito alto para a União, sem previsão de contrapartidas.
Já os governadores sugeriram incluir outras medidas no bolo das contrapartidas, como obras de infraestrutura que viabilizem acesso às escolas.
Ao final do encontro, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que os termos do acordo serão discutidos com os governadores pelos próximos dois meses, antes de a proposta ser encaminhada ao Congresso Nacional.
Regime de recuperação fiscal
A renegociação no contrato da dívida do Rio Grande do Sul com a União não substitui o regime de recuperação fiscal (RRF), acordo assinado em 2022 após cinco anos de negociação.
O RRF impõe uma série de restrições ao Estado na contratação de servidores, concessão de reajustes e celebração de convênios com municípios, além de impor um teto de gastos para o governo local. Em troca, o Piratini retomou o pagamento da dívida de maneira gradual, em uma escadinha crescente de 1/9 da parcela a cada ano a partir de 2023
Em paralelo à mudança no contrato da dívida, Leite tenta emplacar a modificação na regra do regime, flexibilizando o teto de gastos para que o Estado possa ampliar investimentos quanto obter receitas extraordinárias.
—Foi um acordo importante, e se não fosse feito o Estado estaria pagando a dívida integral hoje. Mas mesmo sendo o que era possível, não significa que seja suficientemente bom para o Estado, por isso estamos buscando a repactuação.
As alterações no RRF, ao qual também já aderiram os Estados de Goiás, Rio de Janeiro e Minas Gerais, deve tramitar no Congresso em conjunto a proposta de repactuação dos termos da dívida apresentada por Haddad nesta terça.
Plano de Haddad
O plano apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prevê a redução dos juros da dívida dos Estados em troca da ampliação do número de matrículas no Ensino Médio de nível técnico.
Batizado de Juros por Educação, propõe a redução temporária das taxas de juros aplicadas aos contratos de dívida dos Estados, para o período que irá entre 2025 e 2030. Foram oferecidas três diferentes faixas, com níveis diferentes de contrapartida. São elas:
- Taxa de juros de 3% ao ano: o Estado precisará aplicar ao menos 50% da economia com o serviço da dívida na ampliação de matrículas no Ensino Médio de nível técnico
- Taxa de juros de 2,5% ao ano: o Estado precisará aplicar ao menos 75% da economia com o serviço da dívida na ampliação de matrículas no Ensino Médio de nível técnico
- Taxa de juros de 2% ao ano: o Estado precisará aplicar 100% da economia com o serviço da dívida na ampliação de matrículas no Ensino Médio de nível técnico
Atualmente, a dívida do Rio Grande do Sul é corrigida por um indexador chamado de Coeficiente de Atualização Monetária (CAM). Trata-se de um cálculo complexo, que leva em conta dois indicadores: a soma a inflação acumulada com juros de 4% ao ano e a evolução da pela Taxa Selic.
A alternativa apresentada pelo ministério prevê a correção apenas pela inflação somada à faixa de juros escolhida na adesão ao programa (2%, 2,5% ou 3%).
A meta do governo federal é triplicar o número de estudantes no nível técnico do país, levando esse número a mais de 3 milhões de alunos até 2030. Hoje, o país tem 1,1 milhão de estudantes nessa modalidade (15% do total de vínculos no Ensino Médio).
Caso consiga atingir o número pleiteado, a redução da taxa de juros aos Estados se tornará permanente.
Para unidades da federação que não possuem dívida ou cujo passivo com a União é muito baixo, o governo federal oferecerá linhas de financiamento específicas e outras ações de apoio a expansão do ensino profissionalizante.