Mensagens encontradas no celular de Luiz Paulo Dominguetti Pereira, policial militar e representante da Davati Medical Supply, apontam que o grupo que intermediou vacina da AstraZeneca teria procurado o presidente Jair Bolsonaro para negociar a negoiação de imunizantes. O conteúdo do aparelho de Dominguetti, apreendido pela CPI da Covid em julho, foi veiculado em reportagem do Jornal Nacional nesta terça-feira (13).
A ligação do grupo com o chefe do Executivo seria o reverendo Amilton Gomes de Paula. Ele foi convocado para depor à CPI da Covid após a revelação de que a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), entidade que comanda, teria feito parte de negociações de vacinas com o Ministério da Saúde.
O depoimento do reverendo estava marcado para esta quarta-feira (14), mas ele apresentou um atestado médico informando uma "impossibilidade momentânea" de comparecer ao Senado. A CPI quer que ele explique conversas que apontam que Jair Bolsonaro teria sido procurado pelo grupo.
Conversas
Em um dos diálogos, no dia 13 de março, Dominghetti diz a Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil:
“Estão viabilizando sua agenda com presidente.”
Cristiano responde em áudio, solicitando a confirmação:
— Dominghetti, por favor, verifica para mim se o presidente vai atender hoje ou amanhã ou até na terça, porque aí eu preciso mudar o voo e preciso reservar o hotel, ‘tá’ bom? Obrigado.
O policial diz que "já estão trabalhando para agendar" e que "me falaram que estão esperando uma resposta do Palácio."
Depois, cobrado novamente sobre a marcação, Dominghetti responde em áudio:
— O que eles me falaram, eu nem sabia que ia ter agenda com o Bolsonaro, você que me falou. O que eles me falaram é assim, que estão atuando fortemente lá, e agora depende é do presidente. Ele não marca agenda, ele fala assim: "Vem aqui agora", né? Então, assim, de uma forma mais urgente. Agora, para falar com ele em agenda, eles conseguem marcar segunda, terça, quarta, que aí entra na agenda oficial. O que eles estão tentando é que o presidente te receba de forma extraoficial, entendeu? Devido à urgência, é o que eles estão tentando. Agora, a agenda oficial eles conseguem marcar, isso aí... O que eles estão tentando correndo é uma agenda extraoficial.
No mesmo dia, Cristiano envia um áudio a Dominghetti. É neste momento que o reverendo Amilton é citado.
— Dominghetti, agora nós precisamos aí... O reverendo está falando que está marcando um café da manhã com o presidente amanhã, às 10h, às 9h, sei lá, que vai ter um café com os líderes religiosos e a gente vai entrar no vácuo, tá? Agora tem que fazê-lo confirmar isso aí para a gente colocar uma pulguinha atrás da orelha do presidente, tá?.
O policial responde: "Isso mesmo".
Ao final do dia, Cristiano manda outra mensagem: "Reverendo me fez ficar aqui e até agora não confirmou o café da manhã com o presidente".
Dominghetti responde: "Ele está aguardando a resposta do cerimonial com presidente".
Encontro com líderes religiosos
Não há na agenda do presidente registro de encontro com líderes religiosos no dia seguinte, mas dois dias depois. Em 15 de de março, Bolsonaro recebeu lideranças religiosas em um encontro que durou cerca de duas horas. O nome do reverendo Amilton não está entre os participantes da reunião.
No mesmo dia, às 17h, há um diálogo entre Dominghetti e Amauri, identificado na agenda do policial como “Amauri vacinas embaixada” — uma referência a outro nome usado pela Senah, de Embaixada Mundial pela Paz.
O policial pergunta: "Como foi a visita do reverendo ao 01?". Amauri responde: “O reverendo nesse momento está com o 01".
No dia 16, Dominghetti conversa com o reverendo Amilton. O nome registrado pelo policial em sua agenda é reverendo Anderson, mas a TV Globo apurou que o número é usado por Amilton.
Questionado pelo policial sobre atualizações, o reverendo afirma: "Ontem falei com quem manda! Tudo certo! Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas!".
No mesmo dia, outras duas pessoas ligadas à Senah citam a possível reunião do reverendo com Jair Bolsonaro.
Uma auxiliar do reverendo, registrada na agenda como “Maria Helena embaixada", diz ao policial: "Ontem o reverendo esteve com o presidente".
Já um interlocutor registrado como “Renato compra vacinas Chapecó” diz: "Ontem o Amilton falou com o Bolsonaro, ele falou que vai comprar tudo."
Em entrevista à TV Globo por telefone, o reverendo Amilton negou que tenha conversado sobre vacinas com o presidente da República, mas não soube explicar a quem se referia ao falar que havia conversado "com quem manda".
O Palácio do Planalto não respondeu aos contatos da reportagem.