Sérgio Cabral, preso desde 2016 e condenado a mais de 280 anos de prisão após denúncias da Operação Lava-Jato, chorou ao saber da prisão da esposa, manteve uma rotina de malhação monitorada por um personal trainer entre os detentos e teve desentendimentos com outros colegas de cela no presídio de Bangu, na zona oeste da capital fluminense.
As histórias da rotina atrás das grades do ex-governador do Rio são reveladas pelo livro "O Carcereiro do Cabral", escrito pelo agente penitenciário e jornalista Anderson Sanchez, que falou sobre a convivência com o ex-governador em entrevista à reportagem. À disposição no formato digital desde a semana passada, o livro da editora Máquina de Livros será lançado na versão impressa a partir da segunda quinzena de agosto.
A busca por transparência foi uma das motivações de Sanchez para escrever o livro. Segundo ele, notícias falsas sobre Cabral surgiram antes da sua chegada à cadeia pública Pedrolino Werling de Oliveira, conhecida como Bangu 8, onde ficam detentos de nível superior.
— Circularam as primeiras fake news em redes sociais. Falavam que a cadeia estava sendo arrumada para ele, como se ele fosse o Pablo Escobar, que construiu uma prisão para ele na Colômbia — lembra o autor, que trabalhou em Bangu 8 entre novembro de 2016 e maio de 2017, quando o ex-governador foi transferido para outra unidade prisional.
Sanchez, que hoje atua na coordenação de estudos e pesquisa da Escola de Gestão Penitenciária, diz ter vivido períodos turbulentos após a chegada de Cabral ao presídio. Na época, até amigos e parentes duvidavam do que dizia em meio à propagação de informações que ele diz terem sido falsas, como as de supostas regalias do ex-governador.
— A sociedade enxerga as cadeias como se fossem uma caixa preta. O período mais conturbado do sistema penal do Rio foi quando Sérgio Cabral foi preso. Havia uma desconfiança geral. Infelizmente, não houve um trabalho de transparência e de comunicação institucional na época. Decidi preencher essa lacuna. Foi uma questão de honra e de ética profissional — explica.
Como exemplo do excesso de exposição, ele cita a manhã em que Sérgio Cabral sentou na cadeira do barbeiro do presídio. Em seguida, posou para o registro no sistema da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap). À tarde, a foto, que virou capa do livro, já circulava na internet e nos telejornais.
— Qualquer coisa que acontecia com ele tinha essa repercussão — relembra. Procurada, a defesa de Sérgio Cabral disse que o político desconhece o conteúdo do livro e que nunca teve qualquer tipo de contato com o autor da obra.
O livro traz relatos de agentes penitenciários que presenciaram momentos em que Cabral se emocionou atrás das grades. Um deles ocorreu justamente em meio à repercussão da sua chegada à cadeia.
— Na Inspetoria, a televisão só noticiava a prisão do homem mais poderoso no Estado entre 2007 e 2014. Ele chorava muito.
Segundo o livro, Cabral lamentava porque não poderia acompanhar a primeira comunhão do filho mais novo. No dia seguinte, a capela da igreja foi um dos primeiros locais fora da cela procurados pelo ex-governador.
— Ele chorou copiosamente durante a pregação — conta o autor.
Cabral se emocionou em outras duas situações, segundo o livro. Uma delas ocorreu em 8 de dezembro de 2016 durante uma visita feita pelo então deputado estadual Jorge Picciani (MDB), presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) na época.
Sanchez explica que a visita íntima é um direito do preso com bom comportamento, que pode fazer a solicitação junto à assistência social. Em seguida, conta, as companheiras dos detentos precisam participar de palestras e apresentar exames médicos.
O agente deixou Bangu 8 em outubro de 2017 para atuar na Escola de Gestão Penitenciária, onde os concursados participam do curso de formação para atuar no sistema. No local, há um auditório, onde são ministradas essas palestras para as companheiras dos detentos.
— No fim de 2018, uma pessoa abre a porta da sala. Era a Adriana Ancelmo. Eles só tiveram visita íntima depois disso — conta.
Procurado, o advogado Alexandre Lopes, que representa Adriana Ancelmo, disse que não teve acesso ao livro e que não irá se manifestar.
A rotina do ex-governador no presídio envolvia muita leitura. Ele geralmente era visto com um livro embaixo do braço ou na própria cela.
— Isso também gerou uma informação equivocada, de que ele dormia na biblioteca. Depois, com a análise das câmeras, foi comprovado que isso nunca aconteceu. Ele ia até a biblioteca, pegava um livro e lia na cela — relata Sanchez.
Cabral também era visto com frequência na academia de musculação de Bangu 8, onde era orientado por um personal trainer informal, profissional de Educação Física entre os presos que dava orientações até sobre a sua alimentação.
Aliás, foi na academia onde ele teve um dos piores desentendimentos com outros dois detentos, que colaram uma charge publicada em um jornal carioca sobre a ex-primeira-dama em uma das paredes do ambiente onde Cabral costumava se exercitar.
— O Cabral ficou revoltado. Ele chegou a dizer: 'Isso não se faz, com família não se brinca'. Mas o chefe de segurança contornou a situação. Esses presos chegaram até a se desculpar — conta Sanchez.
Cabral teve uma espécie de inimigo íntimo como colega de cela. Ele dividiu o mesmo espaço com Evandro Bertino Jorge, conhecido como Evandro Capixaba, ex-prefeito de Mangaratiba (RJ), condenado pelos crimes de fraude em licitações e falsidade documental. Solto desde 2019, ele recorre da decisão na Justiça.
Segundo Sanchez, Capixaba se queixava de Cabral nos seus tempos como governador por não receber prefeitos de municípios de pequeno porte — Mangaratiba (RJ), na região da Costa Verde, fica a 85 km da capital e tem cerca de 44 mil habitantes.
Ele costumava fazer imitações do jeito de Cabral caminhar e colocar a mão na cintura, para diversão dos agentes. Os políticos tiveram uma ríspida discussão porque Cabral se queixou do colega de cela — ele teria urinado na borda da tampa do vaso. A reportagem não localizou a defesa de Capixaba para comentar o assunto.