Da esquerda à direita, frases como "precisamos de uma reforma política", "vamos fazer uma grande mudança" e "se Deus quiser, faremos uma reforma política" apareceram desde 2019 em pelo menos 22 discursos no Congresso Nacional e em mais de 50 reuniões de comissões da Câmara dos Deputados desde então.
Só que a eloquência não se traduziu no avanço de projetos sobre o tema. Depois de pouco evoluir no ano passado, o assunto foi praticamente esquecido com a pandemia e os trabalhos comprometidos em comissões. Para analistas, a situação expõe o receio da classe política em relação a reformas em sua própria estrutura e demonstra, na prática, uma indiferença que contrasta com discursos sobre mudanças estruturais.
A pedido do jornal O Estado de S. Paulo, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) levantou todos os projetos apresentados por parlamentares no Congresso a respeito de mudanças na legislação eleitoral e no sistema político-partidário. Na Câmara, foram 52 proposições até agora — sete delas já relacionadas a mudanças de calendário no pleito de 2020 ou a regras de higienização a serem aplicadas por causa da pandemia de coronavírus.
Entre outros projetos que não avançaram, estão mudanças no Código Eleitoral, como a instituição de um sistema eleitoral misto e de voto distrital nos legislativos municipais, a criminalização do caixa 2 e até a obrigatoriedade de cumprimento de promessas eleitorais. Também foram propostas discussões como o direito de voto via internet e o voto em trânsito para determinadas categorias, como caminhoneiros e militares.
O tema ganhou uma subcomissão própria dentro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Presidida por Luiz Philippe Orleans e Bragança (PSL-SP), a subcomissão de reforma política foi formalizada em novembro e teve só quatro encontros antes da pandemia.
— Neste ano, nada aconteceu por causa da pandemia. A ideia era fazer audiências públicas e um grande debate sobre o tema. Não acho uma boa ideia levar direto ao plenário, pois é um tema muito técnico. Ninguém está contente com o modelo atual. Esquerda e direita concordam quanto a isso, mas divergem nas propostas. Por isso precisamos debater. Eu imagino que vamos ter, se Deus quiser, várias décadas de reformas políticas — afirma.
Os deputados Alan Rick (DEM-AC) e Marcel Van Hattem (Novo-RS) são alguns dos que defenderam uma reforma política urgente em discursos no plenário da Câmara, mas que agora entendem que o foco precisa ser o combate à pandemia.
— Uma reforma política precisa ser feita com tempo, com um debate, e não durante uma pandemia. É preciso ter comissões instaladas com debate mais plural possível. Melhor deixar para o ano que vem, fazendo mudanças para a próxima eleição — pontua Alan Rick
No Senado, o Diap localizou 60 projetos, a maioria deles parada na CCJ. Entre eles estão propostas que vão da redução pela metade até a extinção do fundo especial de financiamento de campanha, a criação de um Estatuto da Democracia Partidária e a instituição de passe livre no transporte coletivo interestadual em dias de votação.
"Os parlamentares estão temerosos", afirmou o analista político do Diap Antônio Augusto de Queiroz:
— O atual Congresso está preocupado em preservar o horário eleitoral e os fundos eleitoral e partidário. Por isso, talvez, não tenha havido muita iniciativa legislativa nesse campo. Estão preocupados, pois alterar essas proposições seria eliminar ou reduzir esses recursos.
Enquanto não ocorre uma ampla reforma política, o Brasil coleciona mudanças de regras a cada eleição. O pleito deste ano, por exemplo, não terá coligações em eleições proporcionais. A medida foi aprovada em 2017 e se aplica também para deputados, mas passou a valer apenas neste ano, quando vereadores serão escolhidos. Uma mudança aprovada em 2019 pelo Congresso permite que as siglas utilizem o Fundo Partidário para bancar serviços de advogados e contadores, inclusive em processo judicial e administrativo de interesse partidário que envolva candidatos da legenda.