BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quarta-feira (17) a favor da legalidade do inquérito das fake news, que apura a disseminação de notícias falsas e ameaças a integrantes da corte e se tornou alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro.
Com 8 votos a 0, os ministros do STF demonstraram unidade em torno da investigação aberta em março de 2019, motivo de controvérsia por ter sido aberta sem provocação de outro órgão e que acabou atingindo bolsonaristas.
Votaram a favor do inquérito os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Gilmar Mendes. Faltam ainda votar três ministros: Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do tribunal.
Depois de se estender pela manhã e tarde desta quarta, a sessão foi suspensa e deve ser retomada nesta quinta-feira (18), segundo Toffoli.
O julgamento, cuja origem é uma ação da Rede Sustentabilidade, teve início na semana passada, quando Fachin, relator do processo, proferiu seu voto.
São suspeitos de integrar o esquema de fake news deputados, empresários e blogueiros ligados ao presidente Jair Bolsonaro, que foram alvo de operação policial recentemente, por determinação de Moraes, relator do inquérito.
O inquérito foi aberto no ano passado como uma resposta do Supremo às crescentes críticas e ataques sofridos nas redes sociais.
Desde o início, porém, a apuração foi contestada por juristas e políticos por ter sido instaurada por Dias Toffoli de ofício, ou seja, sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República).
A ação do partido Rede Sustentabilidade, protocolada nove dias depois da abertura, pedia a extinção do inquérito.
Após a operação contra bolsonaristas, porém, a sigla recuou e disse que, embora tenha apresentado "inquietantes indícios antidemocráticos" no começo, a investigação "se converteu em um dos principais instrumentos de defesa da democracia".
A análise da ação foi retomada nesta quarta. Ao votar, Moraes afirmou que os ataques contra a corte não são liberdade de expressão, mas sim "bandidagem".
"A liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Não é liberdade de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia. Reitero ter convicção de que não há democracia sem um Poder Judiciário forte. E não há Judiciário forte sem juízes altivos e seguros", disse.
Alvo de críticas e ameaças por parte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, Moraes afirmou que "coagir, ameaçar e atentar contra o Supremo Tribunal Federal é atentar contra a Constituição Federal, é atentar contra a democracia, é atentar contra o Estado democrático de Direito".
O ministro leu ainda mensagens publicadas em redes sociais com mensagens de ódio ou de violência contra os magistrados. Ele disse que há incitação ao estupro de familiares dos integrantes da corte e que isso não pode ser considerado liberdade de imprensa.
"'Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF'", disse, lendo uma das mensagens. "Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão. Isso é bandidagem, criminalidade", afirmou, acrescentando que isso foi publicado por uma advogada do Rio Grande do Sul.
Tanto ele quanto o ministro Luís Roberto Barroso disseram que não há como se ter um Judiciário forte e independente sem que seus integrantes tenham liberdade para julgar os casos.
Ao defender que o inquérito tenha continuidade, Moraes disse que o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, editou a portaria que deu levou à abertura do inquérito "para garantir a liberdade de expressão, para garantir a independência do Poder Judiciário".
Na retomada da sessão, no início da tarde, Fachin chegou a fazer um ajuste em seu voto para que ficasse mais próximo das posições de Barroso e Moraes.
Na semana passada, o relator havia proposto que o objeto do inquérito fosse limitado a ações que ofereçam risco efetivo à independência do Poder Judiciário. Como exemplo de atos desta natureza, citou ameaças a ministros e a incitação ao fechamento do Supremo.
Sem mencionar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, Fachin ressaltou que pedir a prisão de integrantes do STF também se enquadra nas hipóteses do inquérito.
O chefe da pasta da Educação do governo Jair Bolsonaro afirmou, em reunião ocorrida no dia 22 de abril, que, por ele, botaria "esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF".
O Supremo, aliás, negou, por 9 a 1, um habeas corpus de Weintraub para que fosse retirado da investigação.
Barroso disse que o mundo contemporâneo vive um momento de "grave erosão democrática" por dificuldades das instituições de agirem.
"A democracia precisa ser capaz de agir em legítima defesa dentro da Constituição, dentro das leis, sempre com proporcionalidade, mas as instituições não podem ficar estáticas, paralisadas ou amedrontadas diante de movimentos que visem a destruí-las. E há, aliás, precedentes no mundo contemporâneo de grave erosão democrática pela incapacidade muitas vezes de as instituições reagirem", disse.
A ministra Cármen Lúcia, ao votar, afirmou que liberdade de expressão é imprescindível, mas diferenciou o conceito de atos criminosos.
Liberdade de expressão é gênero de primeira necessidade na democracia. Liberdade de imprensa é artigo imprescindível na cesta básica dos direitos fundamentais, disse, acrescentando que liberdade rima juridicamente com responsabilidade, mas não rima com criminalidade, menos ainda com impunidade de atos criminosos.
Lewandowski comentou o uso de redes sociais para o direcionamento de ataques e ameaças a integrantes do STF, o que, segundo ele, extrapola a mera crítica.
"Redes sociais e novos meios de comunicação não veiculam apenas manifestações ou críticas condizentes com a realidade factual. Mas dão curso a mentiras, ameaças e outras aleivosias, sobretudo a membros da Suprema Corte e autoridades de outros poderes", disse.
PONTOS CONTROVERSOS SOBRE O INQUÉRITO
Ato de ofício
Toffoli abriu o inquérito sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Segundo o STF, porém, há um precedente: uma investigação aberta pela Segunda Turma da corte para apurar o uso de algemas na transferência do ex-governador do RJ Sérgio Cabral.
Competência
A investigação foi instaurada pelo próprio STF, quando, segundo críticos, deveria ter sido encaminhada para o Ministério Público. O argumento é que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.
Relatoria
Toffoli designou Alexandre de Moraes para presidir o inquérito, sem fazer sorteio ou ouvir os colegas em plenário. Assim, Moraes é quem determina as diligências investigativas.
Foro
O que determina o foro perante o STF é quem cometeu o delito, e não quem foi a vítima. Para críticos, a investigação não deve correr no Supremo se não tiver como alvo pessoas com foro especial.
Regimento
Toffoli usou o artigo 43 do regimento do STF como base. O artigo diz que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito. Críticos dizem que os ataques pela internet não ocorrem na sede do Supremo, mas Toffoli deu a interpretação de que os ministros representam o próprio tribunal.
Liberdade de expressão
Moraes pediu o bloqueio de redes sociais de sete pessoas consideradas suspeitas de atacar o STF. A decisão foi criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura, depois derrubada, aos sites da revista Crusoé e O Antagonista.