SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - São 6h quando o porteiro anuncia a chegada da professora de ioga ao prédio de classe média alta onde Patricia Ellen da Silva, 41, mora com as filhas gêmeas Ana Vitória e Maria Luísa, 5. Após 15 minutos, a secretária de Desenvolvimento Econômico de São Paulo estende o tapetinho na sala do duplex para iniciar a prática de hatha ioga.
"As aulas têm sido cada vez mais cedo", brinca Fabrisia Freitas, sobre o horário reservado para a aluna. "A energia dela impressiona."
Entre posturas e respirações, elas contam que se conheceram quando Patricia fez curso para mães e bebês, com técnicas de massagem como shantala. A mãe de primeira viagem empreendeu uma luta para ter parto normal e amamentar. "Amamentei as meninas por dois anos."
Divorciada há um ano, Patricia Ellen divide a guarda das crianças com o ex-marido, um engenheiro com quem alterna a rotina de levar as meninas à escola bilíngue.
Numa manhã chuvosa de dezembro, a secretária encara uma hora de ioga que culmina com uma invertida de ponta-cabeça. Na noite anterior, participara de jantar do Agora!, movimento que cofundou com os cientistas políticos Leandro Machado e Ilona Szabó, colunista da Folha.
Ao lado de Luciano Huck, Patricia Ellen fez um balanço do movimento nascido em 2017 em torno de uma centena de líderes desejosos de renovação na gestão pública. Ela, como ocupante de uma secretaria estratégica do governo de SP. Huck, como potencial candidato à Presidência em 2022, concorrendo eventualmente com o chefe dela, o governador João Doria (PSDB).
"Não se transforma a gestão pública e a política com um único líder. É preciso um grupo engajado, ocupando vários postos", diz a secretária.
Patricia Ellen trabalhou como consultora na gestão Doria na Prefeitura de São Paulo, em um projeto de planejamento estratégico e de visão de longo prazo para a cidade.
Ao ser eleito governador, Doria a convidou para ocupar uma pasta cobiçada por políticos. A opção técnica chegou com a missão de mexer em feudos dominados por Márcio França (PSB), vice-governador na gestão Alckmin, e Paulinho da Força (Solidariedade).
A secretária diz ter tido carta branca para exonerar os diretores das Juntas Comerciais, cargos comissionados e tradicionalmente de nomeação política. Para preencher as 16 vagas, realizou-se um processo com 2.000 candidatos. "Todo mundo com MBA, mestrado", diz a secretária sobre os gestores nomeados em dezembro.
Levou quase um ano para estruturar o modelo de seleção, sistematizado pela Secretaria de Governo para ser replicado no Detran e na Educação.
"A gente chega ao setor público sem ter ideia de quanto as coisas demoram, de como é difícil contratar." Só foi entender os códigos ao pilotar uma máquina que agregou a pasta do Trabalho à área de ciência e tecnologia, incluindo universidades estaduais e escolas técnicas, com orçamento de R$ 17,5 bilhões para 2020.
Às 8h15, ela chega à secretaria para a primeira reunião. A pauta é o Centro Internacional de Tecnologia e Inovação, uma espécie de Vale do Silício paulista. Despacha com técnicos sobre a forma adequada de levar empresas para o futuro campus.
A secretária se define como uma "liberal, progressista, 4.0". "Liberal na economia, com olhar atento para inclusão nas pautas de costumes e para tecnologia e inovação."
Encarou uma hora de trânsito para chegar à Expo, onde falou no Seminário de Gestão Pública para uma plateia de prefeitos e gestores municipais de todo o estado. Anunciou a liberação de R$ 45 milhões para reformas de escolas técnicas em 37 municípios.
Estranha no ninho, causa espanto entre políticos. "Olha a louca pulando corda e fazendo ioga", escreveu um prefeito, ao comentar um post com fotos da secretária na festa de aniversário das filhas e na ioga. Patricia respondeu com humor: "Pô, como assim? Agora é louco quem pula corda e faz ioga? O mundo está doido mesmo".
Precisou criar protocolos para se proteger. "Já me vi em algumas frias nas primeiras conversas com deputados. Hoje, tomo cuidado, vou sempre acompanhada às reuniões." Aprendeu a escutar e a encaminhar demandas. "Não faz sentido receber prefeito só para tomar cafezinho. Eles se sentem bem tratados se têm seus problemas resolvidos."
Para Leandro Machado, a colega de Agora! e da comunidade Jovem Líderes Globais do Fórum Econômico Mundial tem uma visão contemporânea de liderança. "Não é algo dado. Patricia entende que precisa ser construída, burilada."
É o que ela ensina no mestrado do Centro de Liderança Pública, onde dá um curso de liderança adaptativa, conceito criado por Ron Heifetz, de Harvard, onde fez mestrado.
"Foi o professor mais inspirador da minha vida", diz. "Para ele, gestores públicos, para serem mais transformadores e humanos, precisam trabalhar processo de autoconhecimento e mobilizar sistemas."
A executiva diz ter integrado meditação, reiki e ioga à rotina para ser uma melhor gestora e entender o que a faz derrapar, perder o controle.
Nascida no Campo Limpo, nas bordas da favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo, Patricia graduou-se em administração na USP e fez mestrado em Harvard.
É um ótimo exemplo da tal meritocracia, tão cara ao ninho tucano que a acolheu. É uma Silva, em um Brasil que condenou uma legião deles à base da pirâmide. Chegou ao topo numa escalada por mérito, somado à tenacidade, resiliência e sólida base familiar.
Ao final de um dia puxado, que teve na agenda palestra no Google Campus e evento no Centro Paula Souza, ela repõe as energias no boteco do tio Milton, na Vila das Belezas.
Passa para dar um abraço em dona Celina, 94, a avó paterna, que mora nos fundos do bar. A matriarca da família brinca com a idade. "Tô nova." Vive na mesma casa que a abrigou quando chegou a São Paulo, vinda de Sergipe, para criar 16 filhos. Foram 21 gestações, cinco não "vingaram".
O pai, seu Messias, 66, é dono do Bazar Real, misto de material de construção e armarinho. A mãe, Valda, 61, é motorista de Uber. "A trajetória da minha filha é diferenciada. Ela pegou o rabo do cometa e chegou lá na frente", diz o pai.
Ao ser aprovada nos vestibulares de USP, FGV e Mackenzie, foi recebida com faixa na rua, por ser a primeira da família a entrar numa universidade. Aprendeu a ler sozinha e chamou a atenção da professora da escola pública, que sugeriu que tentasse uma bolsa no colégio de freiras.
Na escola particular, a desigualdade social entrou em pauta. "Eu tinha amigos na favela, na minha rua e no Morumbi. Vivia em todos os mundos e sentia que não pertencia a nenhum deles."
Para o pessoal da comunidade, a filha do dono da lojinha era "burguesinha". Dinâmica que a fez entender que a desigualdade não é só financeira. "Tem o componente intelectual, cultural, de acesso."
Um exemplo foi a visita a uma colega em uma mansão no Morumbi. "No jantar, eu não sabia comer com todos aqueles talheres. Na minha casa, meu pai fazia bolinho de arroz com farofa e comia com a mão, vendo novela."
Havia ainda a barreira do domínio do inglês. Aos 19 anos, ganhou bolsa para um intercâmbio na Espanha. Emendou seis meses na Inglaterra, onde foi garçonete e camareira enquanto ganhava fluência na língua. Quando voltou, ajudou a montar uma unidade da ONG Cidadão Pró-Mundo, que ensina inglês em favelas.
As angústias de viver entre dois mundos persistem. "Moro no Alto de Pinheiros, onde a média de idade ao morrer é 20 anos a mais do que no Campo Limpo. Não dá para banalizar essa diferença gritante em razão do CEP."
Aos 30 anos, quando começou a crescer como executiva, teve crise do pânico. "Cada passo para frente, financeiro e profissional, eu sentia que me distanciava da família." O lado zen ajudou a integrar os dois mundos. A realidade da família de classe média baixa a mantém conectada com o Brasil real. "Tenho parentes empreendedores e também em dificuldade, que já foram presos."
Uma das razões que a fizeram assumir a secretaria, diz, é ajudar indiretamente e de forma mais estrutural um tio taxista, um tia costureira, um primo desempregado. "Nunca me senti tão alinhada com meu propósito e meus valores."
O convite de Doria a fez deixar a presidência da Optum, empresa de tecnologia em saúde, e abrir mão de remuneração bem mais alta do que os R$ 20 mil de secretária.
Especula-se agora que Patricia Ellen pode vir a ocupar o posto de rainha no tabuleiro tucano da eleição municipal em 2020, numa estratégia do xadrez político de Doria para chegar à Presidência.
O prefeito, Bruno Covas (PSDB), já anunciou que tentará se reeleger, mas o tratamento de câncer por que passa ainda gera incertezas.
"Patricia tem o perfil ideal para ser candidata a prefeita", avalia Rodrigo Tavares, ex-assessor internacional na gestão Alckmin, diante da possibilidade de Covas não se candidatar por razões de saúde.
A secretária sai pela tangente. "Não penso nisso. Meu perfil é claramente técnico. Quero deixar um legado no cargo que ocupo e não fazer política pela política."