BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O número de invasões a terras indígenas no país explodiu durante os nove primeiros meses do governo Jair Bolsonaro, segundo dados preliminares divulgados nesta terça-feira (24) pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Em todo o ano passado, segundo o Cimi, foram registrados 111 casos do tipo em 76 terras indígenas. Somente de janeiro a setembro deste ano, o número pulou para 160 invasões em 153 terras indígenas.
Ou seja, faltando ainda três meses para encerrar 2019, já há um aumento de 44% no total de ataques e de 101% no de terras atingidas.
No ano passado, os ataques ocorreram em 13 estados da Federação. De janeiro a setembro, os ataques ocorreram em 19 estados.
O aumento das invasões é ainda maior quando considerados os últimos três anos. Em 2016, foram 59 casos, menos da metade do número registrado nos primeiros nove meses de 2019.
Os ataques às terras indígenas incluem, segundo o Cimi, "arrendamento e loteamento de terras indígenas; invasões; desmatamento; destruição de patrimônio; exploração ilegal de recursos naturais; garimpo de ouro e diamantes; contaminação de rios; queimadas e incêndios; caça e pesca ilegal; e contaminação por agrotóxicos e metais pesados, dentre outras ações criminosas que incluem a abertura de rotas para o tráfico de drogas".
Além disso, também cresceu 22% o número de indígenas assassinados em 2018, na comparação com 2017, passando de 110 casos para 135.
Em nota pública lida nesta terça-feira pelo presidente do conselho, dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), o Cimi afirmou que "a agressividade no discurso do presidente da República e de membros do governo serve de combustível para a violência cometida contra os territórios e os povos originários".
Um dos autores do estudo do Cimi, o missionário Roberto Liebgott, coordenador do Cimi Regional Sul, afirmou que o aumento de invasões é resultado de uma "política do genocídio" e que o governo Bolsonaro trabalha com a "perspectiva da desterritorialização" dos povos indígenas.
"Se percebermos o discurso do governo, a perspectiva atual é de se apossar das terras com o discurso de que os índios não precisam da terra. Então as terras deixam de ser parte de estratégia da política do governo e passam a ser posse do capital", disse Liebgott.
O missionário diz acreditar que o cenário do Mato Grosso do Sul e do Sul do país, onde os indígenas vivem em áreas pequenas e acampamentos na beira das estradas, pode ser o da Amazônia em breve.
"Dá a impressão de que o sul é a fotografia do que vai ser a Amazônia amanhã, pelas práticas que vêm acontecendo. É um estado que, pelo discurso, fomenta a invasão, e através das práticas políticas desestrutura os órgãos que deveriam coibir as invasões de terra", afirmou o coordenador do estudo.
Segundo o Cimi, "um novo método de esbulho possessório das terras indígenas está sendo praticado atualmente no Brasil".
"Essa prática é ainda mais grave, porque essa é devastadora. Na outra, eles [invasores] tiravam a madeira e iam embora. Agora eles tiram a madeira e tacam fogo. Então destrói tudo, só sobram as cinzas. É o que vem acontecendo em grande parte dos territórios invadidos hoje", disse Liebgott.
Ele afirma que a violência aumentou: "chega a ter casos de loteamento de terras indígenas. O madeireiro entra, tira a madeira e passa a ser palco para especulação imobiliária. É a prática do fato consumado."
Em entrevista coletiva para o lançamento do estudo anual do Cimi, na sede da CNBB em Brasília, o líder indígena Suruí Pataxó afirmou que "a gente fica triste com esse governo que está aí, sempre querendo nos derrubar", mas que isso não vai alterar a disposição dos povos indígenas.
"Sempre foi assim desde o princípio, com os governos anteriores também", disse o indígena.
Segundo o Cimi, "centenas de garimpos ilegais estão em funcionamento dentro de áreas indígenas". Somente na terra indígena munduruku, são mais de 500 focos de garimpeiros. O conselho diz ainda que há "milhares" de garimpeiros atuando na terra indígena Yanomami, em Roraima.
Procurados pela reportagem, o Ministério da Justiça e a Funai (Fundação Nacional do Índio) não se manifestaram.