Presidente do Tribunal de Justiça (TJ-RS) desde 1º de fevereiro, Carlos Eduardo Zietlow Duro, 59 anos, administrará, até 2020, orçamento anual de R$ 3,6 bilhões e cerca de 9 mil servidores e magistrados no Estado. Em entrevista a GaúchaZH, o desembargador opina sobre regime de recuperação fiscal, eleições e auxílio-moradia do Judiciário. Para Duro, as férias de 60 dias dada a juízes são justas porque compensam o grande volume de processos cadastrados. Hoje, há 3,8 milhões de ações e 811 juízes estaduais – cada um deles é responsável por 4,7 mil casos, em média.
Qual é o balanço que faz após três meses à frente do TJ-RS?
A ideia da administração sempre foi a prestação da nossa jurisdição de forma bem célere, eficaz. Esse foi o mote da campanha e o objetivo que está sendo desempenhado. Continua-se fazendo série de atos, trabalhando com as gestões de massa, com vários outros projetos similares com intuito de diminuir a grande vazão processual. E que se permita que as demais demandas, que não são tão massificadas, tenham maior disponibilidade dos julgadores. No âmbito administrativo, se fez uma série de mudanças de fluxos e algumas alterações internas, importando melhora na realocação de pessoal, de empenho, para que se consiga produzir prestação de serviços adequada.
O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) encaminhado pelo governo do Estado à Assembleia congela de novo o custeio dos poderes. Como o TJ-RS lida com isso?
Continua-se trabalhando. Para o orçamento em si, do TJ, está sendo proposto reajuste em torno de 3%, que seria para cobrir o crescimento vegetativo da folha. Com esforço administrativo, neste ano, se conseguirá, mais ou menos, dar conta para que se preste trabalho adequado.
Sobrou dinheiro ano passado?
Praticamente não. O orçamento foi quase todo executado.
Sobre o orçamento, a estratégia é, então, não fazer enfrentamento ou conversar com o Executivo para que se melhore o percentual estabelecido?
Sempre se trabalha com o que se tem. Isso não afasta necessariamente todo o trabalho político que eventualmente seja necessário para se obter orçamento melhor. Não são atividades excludentes, pode-se trabalhar as duas coisas.
O senhor vai chamar o governo para conversar?
Quem vai definir a questão orçamentária é a Assembleia, e o trabalho específico é com os deputados. Eles são realmente os responsáveis pela análise e aprovação do orçamento destinando a cada parcela específica dos poderes e demais instituições.
Qual percentual deveria ser aprovado pela Assembleia para que o TJ coloque em prática suas pretensões?
Acho que um pouco mais, em torno de 5%. É que 3% cobre o custo vegetativo da folha, não para eventual reposição.
Há esperança de mudar esse orçamento?
É uma questão política. A política nem sempre é previsível.
Qual a opinião do Judiciário sobre o regime de recuperação fiscal proposto pelo Estado?
A questão da recuperação fiscal incumbe inicialmente sempre a quem está administrando. O operador vai fazer a devida análise, conveniência e oportunidade para haver ou não a adesão em si. Há pontos que a juízo deveriam sofrer certa modificação para evitar algum ônus um pouco demasiado. Por exemplo: pessoalmente, fico preocupado em relação às demandas que hoje existem questionando a Lei Kandir, teria de se abrir mão de determinadas necessidades. São recursos bem expressivos. O governador faz a análise específica dele. Talvez, pudessem ser modificados. Alguma venda específica. Mas isso, quem está administrando, às vezes, tem noção bem maior. Essa é minha ótica, não é a do governador.
Como avalia o grande número de candidatos concorrendo ao Palácio do Planalto?
Deve-se analisar primeiramente a situação que vive o país, que é bem singular, nos aspectos político, ético, econômico. Há série de coisas que vão influenciar no âmbito eleitoral. Então, é um conjunto, um momento sui generis que estamos vivendo, e acho que isso influenciará sem dúvida nesse ponto.
Por que sui generis?
Há vários casos de corrupção disseminada, em vários setores, com envolvimento de políticos. É um momento que não é comum. Não me lembro situação desse tipo, várias operações existentes, com tais desdobramentos.
O senhor avalia que há chances de algum candidato da extrema-esquerda ou extrema-direita vencer a eleição?
Em princípio, sim. A gente sabe pela experiência que nas eleições nem sempre os candidatos que saem na frente em determinadas pesquisas são os exitosos. A História nos demonstra que não. Isso depende um pouco, sabe. Apesar de estarmos a pouco tempo da eleição, acho que não dá para avaliar bem quem vai ser o vencedor, quem vai ser o presidente eleito, quem vai ser o governador ou os deputados e senadores. É um momento um pouco incipiente nesse ponto.
A gente percebe que o governo federal não tem tato para tratar de greves, como a dos caminhoneiros. O senhor acha que o governo está lidando bem com isso? Tem legitimidade para lidar com as greves?
O governo está eleito e exerce o poder com sua legitimidade decorrente de eleição. O governo tem legitimidade específica, independentemente do que tenha acontecido anteriormente, como o afastamento da presidente. Há legitimidade, sem dúvidas, para tomar medidas que entender necessárias, para tentar resolver os problemas. Se as medidas são corretas ou inadequadas, bom, isso faz parte de um processo de administração e execução que pode acontecer com qualquer um.
E a legitimidade moral? O senhor acha que o presidente Michel Temer tem?
O que eu vou te dizer... legitimidade moral? Acho que decorre na medida. Qual é a alternativa? Na medida em que houve um afastamento, um processo regular de uma presidente da República, o que acontece? Quem tem de assumir é o vice. Não é a primeira vez que isso ocorre, já ocorreu em 1992, é uma repetição. A questão desse aspecto moral, bom, em princípio, presume-se que todo mundo que está exercendo um cargo público se habilitou a tanto, obteve os votos necessários para tanto e tem, ao menos em tese, as condições para o exercício da função, o que inclui a moralidade.
A discussão sobre auxílio-moradia é polêmica. Acha que o valor pago a quem já tem residência em seu local de trabalho é legal e moral?
Essa questão decorre de decisão judicial. O que acontece quando há decisão sem modificações via recursal? Tem de ser cumprida. É o que está acontecendo. Houve determinação de pagamento do auxílio em certas circunstâncias, e isso foi feito em toda esfera, seja na magistratura como no Ministério Público. Decisões judiciais, obrigatoriamente, têm de ser cumpridas.
O senhor solicitou o auxílio?
Sim.
Está dentro da moralidade quem solicita o auxílio-moradia com casa ou apartamento na mesma cidade em que trabalha?
Já que o requisito para obtenção do auxílio-moradia foi traçado por decisão judicial, todo aquele que atender aos requisitos tem direito.
E se o senhor tivesse o poder de desmantelar essa decisão judicial, o senhor faria?
Teria de pensar. Acho que os motivos que levaram ao fornecimento dessa decisão ainda permanecem.
O senhor enxugaria um pouco mais os requisitos a pessoas que têm direito a esse auxilio?
A situação, nos termos em que foi posta, foi posta adequadamente pelo ministro Fux (Luiz, do STF), não mereceria a modificação em si. Há restrição, quando por exemplo são cônjuges e alguém já recebe o outro não deve receber, quando ambos residem no mesmo local. Quando residem separadamente, é uma outra situação. Há essas restrições básicas que eu acho que está bem, acho que não mereceria correção.
Não é um privilegio?
Acho que não é um privilégio. Por exemplo, no regime CLT, toda vez que um funcionário se desloca, recebe um adicional para deslocamento em decorrência da função e do trabalho. Se tu saíres daqui e fosse trabalhar em outro Estado pela mesma empresa, tu terias direito a um acréscimo de salário, se eu não me engano 25% para cobrir essas despesas para o seu exercício. Seria moral? Então, a gente fica nessa discussão, né?
A discussão sobre moralidade se dá pelo fato de o juiz ter casa própria em seu local de trabalho.
Pois é, e se tivesse uma casa própria lá, a lei não exclui, basta o deslocamento para exercício. Independentemente de tu teres casa ou não, teria direito a esse acréscimo, isso para qualquer trabalhador. Então, não teria porque ter tratamento distinto na minha ótica.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, se diz contrário às férias em dobro do Judiciário. Por que é importante ter 60 dias de descanso?
Além do trabalho normal, existe o extraordinário, que não tem qualquer remuneração. Por exemplo: exercício de plantão. Um juiz em entrância inicial, em São Francisco de Assis, que foi a minha comarca, fica de sobreaviso 30 dias por mês, 24 horas por dia, além de trabalhar normalmente. Elabora sentença, despachos, faz audiência, atende as partes, faz representação, trabalha e, além disso, qualquer medida que ocorra depois das 18h, na esfera cível ou criminal, tem a obrigação legal de atuar e resolver. Não há previsão legal de pagamento por isso. As férias de 60 dias se justificam por esse trabalho.
Seria uma compensação, então?
É uma forma de compensação específica. Vou te falar com a maior tranquilidade: sempre trabalharei em horário extraordinário, é difícil tu me ver sair antes das 20h, 21h. Dificilmente. A gama de processos é muito grande. A esmagadora maioria dos magistrados acaba trabalhando em um período bem acima do normal e isso, claro, causa desgaste. Em qualquer atividade causa, mas na atividade privada, por exemplo, há remuneração, na nossa não há remuneração (extra), e temos responsabilidade.