Os indícios de que Marcello Miller atuou como agente duplo em benefício dos empresários da JBS coloca em risco a validade da delação premiada firmada com o grupo empresarial. Nos bastidores, o ex-procurador era criticado por ter ingressado em um escritório de advocacia que negociou o acordo de leniência do grupo J&F – controlador da JBS – imediatamente após deixar a Procuradoria-Geral da República, órgão responsável pelo acordo de delação premiada dos executivos da empresa.
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4 de março de 2017
Integrante do grupo de trabalho da Lava-Jato em Brasília e braço-direito de Rodrigo Janot, Miller formalizou o pedido de exoneração do Ministério Público Federal (MPF) para se dedicar à advocacia. Antes, o procurador havia sido um dos responsáveis por colher depoimentos das delações do senador cassado Delcídio Amaral e do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Também havia participado da negociação da colaboração da Odebrecht. Miller afastou-se do grupo de trabalho da Lava-Jato no segundo semestre de 2016, atuando somente como colaborador eventual.
7 de março de 2017
Sócio da J&F, controladora da JBS, Joesley Batista gravou conversa com Michel Temer em visita fora da agenda oficial ao Palácio do Jaburu. No diálogo que se tornou público mais de dois meses depois, o presidente teria autorizado a compra do silêncio de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e indicado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) como o nome que intercederia pelos interesses do grupo empresarial no governo. Temer também ouviu de Joesley que o empresário estava "segurando" dois juízes e que recebia informações privilegiadas de um procurador.
17 de março de 2017
Em diálogo de quatro horas – cuja gravação foi entregue à PGR apenas em 31 de agosto –, Joesley Batista e Ricardo Saud citam o nome de Marcello Miller. Na conversa, Joesley afirma que se encontrou com o então procurador dias antes de gravar o diálogo com Temer. Segundo Rodrigo Janot, "em alguns trechos, Ricardo Saud afirma que já estaria 'ajeitando' a situação do grupo empresarial J&F com o então procurador da República Marcello Miller, bem como que Marcello Miller estaria 'afinado' com eles". Além disso, os interlocutores afirmam que, na ocasião da deflagração da Operação Carne Fraca, Marcello Miller teria "enviado extensa mensagem" para um dos executivos do grupo, "tentando justificar a situação".
5 de abril de 2017
A exoneração de Miller é publicada, e o procurador deixa o Ministério Público Federal. A decisão havia pego de surpresa colegas do MPF.
11 de abril de 2017
Apenas seis dias após a publicação de sua exoneração, Miller participou de reunião representando a J&F. O encontro ocorreu com representantes do grupo de trabalho da Lava-Jato e a força-tarefa da Operação Greenfield no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin homologou o pré-acordo de delação dos executivos da JBS. A existência da reunião só seria revelada pela imprensa em agosto de 2017.
17 de maio de 2017
A delação da JBS veio a público e instalou uma profunda crise no governo federal. Aos poucos, o conteúdo das gravações começou a ser divulgado – inclusive o áudio da conversa entre Joesley e Temer.
20 de maio de 2017
Veio à tona que Miller passou a atuar no escritório que negociava com a PGR a leniência da JBS, acordo na área cível complementar à delação premiada. O ex-procurador havia começado a trabalhar para o escritório Trench, Rossi & Watanabe Advogados, do Rio de Janeiro, contratado pela empresa. A PGR informou que Miller não participou da negociação da delação dos executivos.
26 junho de 2017
A PGR informou que Miller estava sendo investigado internamente desde maio. "Trata-se de Procedimento Preparatório (PP), aberto a partir de representação enviada à unidade. O instrumento antecede a abertura de inquérito civil e tem o objetivo de reunir informações que podem justificar a continuidade ou o arquivamento da investigação", informou a instituição. O pedido de investigação havia sido feito pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Temer, questionando a atuação de Miller no acordo de leniência.
27 de junho de 2017
Em pronunciamento, Temer acusou Miller de "ganhar milhões em poucos meses" depois de abandonar a força-tarefa da Lava-Jato no MPF e começar a atuar no escritório de advocacia. O presidente referiu-se ao ex-procurador como "homem de estrita confiança" de Janot e disse que "garantiu ao seu novo patrão um acordo benevolente" que "gera uma impunidade nunca antes vista", em referência velada aos benefícios concedidos a Joesley Batista no acordo de delação premiada. Miller divulgou nota negando irregularidades.
7 de julho de 2017
Foi divulgado que Miller deixou o escritório que negociou a leniência da JBS. Com o avanço da crise política, o ex-procurador havia começado a ser sondado para deixar a firma. O Trench, Rossi e Watanabe, que empregou Miller, prestou serviços para o grupo J&F, mas, diante da polêmica, o acordo de leniência acabou sendo fechado por outro escritório – o Bottini & Tamasauskas.
4 de setembro de 2017
Após tomar ciência do conteúdo das gravações feitas em março e entregues pela defesa da JBS, Janot convocou um pronunciamento para anunciar a abertura de nova investigação. Na entrevista, Janot informou que o áudio entre Joesley e Ricardo Saud poderia suspender a delação dos executivos. Para o procurador-geral, as gravações sugerem conduta "em tese criminosa" de Miller. A conversa deixaria claro que o ex-procurador auxiliou os empresários a escrever os anexos que serviriam como base para a delação.