Embora esteja com déficit bilionário e tenha dificuldade de manter as contas em dia, o governo do Rio Grande do Sul tem 1,2 mil imóveis funcionais. Herança de uma época em que a comunicação e os meios de transporte eram precários, casas e apartamentos espalhados pelo território gaúcho ainda servem de moradia para empregados e servidores públicos.
Os dados foram obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação. ZH consultou mais de 60 órgãos do Estado (como secretarias, fundações, departamentos e companhias), sendo que 13 admitiram contar com imóveis residenciais.
Cerca de 20% dessas propriedades – a maioria construída no século passado – encontram-se desocupadas, enquanto o Estado gasta R$ 45 milhões por ano com aluguel de prédios e salas para abrigar estruturas da máquina pública. Três órgãos – as secretarias da Educação e da Segurança e o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) – concentram quase 70% das áreas.
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Os critérios para ocupação dos imóveis variam conforme cada órgão. Enquanto alguns funcionários pagam taxas de aluguel e as contas de água e luz, outros moram de graça. Além disso, há dezenas de casos de ocupações irregulares, em razão de invasões e até situações de funcionários que se aposentaram ou de moradias ocupadas por filhos de servidores.
Os órgãos informam a existência de pelo menos 133 processos de regularização, tratados no âmbito judicial (com ações de reintegração de posse) ou administrativo. Devido à falta de manutenção, muitos imóveis estão se deteriorando, já que, em geral, reparos e melhorias ficam por conta dos inquilinos.
A Secretaria da Segurança é a que mantém o maior número de residências oficiais. São 377, sendo 251 ocupadas por brigadianos e 38 por policiais civis. Depois, vem a Secretaria da Educação, que, em razão de um convênio com a Brigada Militar, tem imóveis habitados por policiais militares, com o "objetivo principal de oportunizar condições de segurança ao patrimônio público escolar".
O programa PM Residente existe desde 1994, mas não é garantia de proteção. No início de abril, mesmo com um brigadiano morando no local, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Pedro I, no bairro Glória, na Capital, foi arrombada. Os bandidos serraram grades para entrar e levaram extintores, televisão, lousa eletrônica e caixas de som.
Secretário da Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos, Raffaele Di Cameli diz que o Estado realiza um pente-fino em seus bens. O programa de Gestão do Patrimônio Imóvel do RS, que começou na gestão Tarso Genro, a partir de empréstimo junto ao Banco Mundial, já mapeou 50% dos ativos e, segundo o secretário, é o primeiro passo de "um projeto de Estado e não de governo".
Cameli admite que, hoje, o Piratini não sabe exatamente qual é o tamanho e o valor dos seus bens, muito menos quantas propriedades são ocupadas por servidores. Conforme o secretário, a prioridade do governo, neste momento, é utilizar imóveis de maior valor – inclusive os funcionais – para fazer permutas envolvendo presídios. Em Bento Gonçalves, por exemplo, áreas do Daer, avaliadas em mais de R$ 40 milhões, serão oferecidas em troca da construção de duas unidades prisionais.
Para Cameli, em meio à grave crise financeira, "não faz sentido o Estado manter imóveis funcionais", que deverão entrar "no fluxo de venda em algum momento":
– Ao longo de décadas, tratou-se o bem público de maneira negligente, e chegamos a essa situação. Houve uma época em que uma empresa pública precisava construir imóveis em locais ermos, que se tornaram cidades. Não há mais necessidade. Os tempos mudaram.
Servidores de fundação extinta temem ter de deixar casas
A dona de casa Maria Ivanice Costa da Silva, 59 anos, cresceu e criou os dois filhos nos arredores do imponente prédio do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), em Eldorado do Sul. O pai trabalhava no local e a família morava em uma das dezenas de casas destinadas aos funcionários. Quando ele se aposentou, negociou para que a filha e o genro, que também prestava serviços para o instituto, permanecessem por lá.
Hoje, são os netos de Maria e do marido, o auxiliar de serviços gerais Luiz Josemar Santos da Silva, 62 anos, que correm e brincam no pátio de uma das 17 casas, a maioria de alvenaria, com três quartos, dois banheiros, sala e cozinha.
Com a extinção da Fundação de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), incertezas pairam sobre o futuro da área de mais de 300 hectares que abriga o IPVDF. Funcionários e seus familiares também estão preocupados e temem ter de deixar as casas que habitam há décadas.
- Meu marido tem um salário baixo e faz bicos nos finais de semana para complementar a renda. Se a gente tiver de sair daqui, não tem para onde ir - lamenta ela, que hoje não tem despesas com luz, água e aluguel.
Vizinho dos Silva, o veterinário José Antônio Simões Pires Neto estava de mudança na semana passada, após 32 anos morando no local. Como planeja se aposentar em julho, terá de entregar o imóvel. Neto, então, se programou. Comprou um terreno há quatro anos e vinha investindo na construção da nova residência.
Em Cachoeirinha, os ocupantes das 53 casas construídas dentro da Estação Experimental do Arroz podem até dormir com portas e janelas abertas, tamanho o cuidado com proteção na unidade que pertence ao Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). O local possui um único acesso, com segurança 24 horas. Até mesmo o ingresso de entregadores é proibido.
Um dos funcionários mais antigos e morador do local há oito anos, o agrônomo Oneides Avozani, 57 anos, conta que o cuidado foi redobrado após parte do terreno ter sido invadida. Apesar de pagarem taxas baratas de aluguel, água e luz, os funcionários dizem que morar no trabalho tem seu ônus e bônus.
– Tu acabas virando referência e sendo acionado mesmo nos horários de descanso - conta Avozani.
Na biblioteca da estação, as páginas amareladas de um relatório de atividades do Irga de 1945 exibe fotos das residências. A maior delas, que pertenceu a Alberto Bins, era destinada ao diretor da unidade. Hoje, restam apenas as ruínas da fachada do imóvel, construído no final do século 19 e que foi sede da casa de campo do ex-prefeito de Porto Alegre, a Granja Progresso.
As explicações
Instituto Rio grandense do Arroz (Irga)
"A grande maioria desses imóveis (53 dos 58) está localizada dentro da Estação Experimental do Arroz de Cachoeirinha e da área da Barragem do Capané, em Cachoeira do Sul. Quando o Irga absorveu a estação e a barragem, esses imóveis já estavam construídos nas respectivas áreas. São destinados à moradia de servidores ativos e de seus familiares, podendo, em casos excepcionais, serem destinados a terceiros que prestem serviços diretamente ao Irga, por meio de contratação terceirizada, consultoria ou convênios com cooperativas."
Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro)
Como a Fepagro virou um departamento da Secretaria da Agricultura, a pasta afirmou que "quando o Estado recebeu dos municípios ou comprou as áreas onde funcionam os centros de pesquisa, já havia esses imóveis nos locais. Enquanto persistir a existência dos serviços prestados nos centros de pesquisa há interesse em manter os imóveis, até mesmo em razão da garantia e guarda dos bens públicos lá existentes."
Secretaria da Educação
A secretaria informou que pretende manter o convênio com a BM, "visto que a proteção patrimonial ocorre com baixo custo para o Estado, reduzindo drasticamente as despesas com vigilância privada". "A indicação dos PMs é feita pelo Comando Geral da Brigada Militar, por solicitação da secretaria. É exigido que o PM esteja cadastrado no Departamento Administrativo da Brigada Militar, seja da ativa e possua estabilidade."
Superintendências do Porto de Rio Grande e de Portos e Hidrovias (SPH)
"A Superintendência do Porto de Rio Grande recebeu o patrimônio do extinto DEPRC, sediado em Rio Grande e na Pedreira do Capão do Leão. Com relação aos imóveis da extinta SPH, a autarquia está formatando uma comissão que irá analisar a situação do bens para o recebimento da carga patrimonial. Após isso, será avaliada a situação de cada um para as devidas providências."
CEEE
"Estão em processo de desativação quatro imóveis nos quais residem empregados desde o período em que ainda haviam imóveis funcionais. A desocupação está sendo tratada em âmbito administrativo. Finalizado esse processo, poderão ter usos diversos: demolição da unidade para ampliação, transformação em oficina ou depósito de manutenção ou negociação com a Aneel para segregação do terreno e alienação."
Corsan
"Possui dois imóveis ocupados irregularmente, que são objeto de ações judiciais para reintegração de posse. Quanto a imóveis funcionais, a Corsan não mais concede imóveis para habitação de empregados."
Companhia Riograndense de Mineração (CRM)
"A princípio, os imóveis funcionais são ocupados por empregados da própria companhia que exercem função de chefia e que não residam na localidade da unidade onde prestam serviço. Também são concedidos a empregados com família sem condições de possuírem casa própria. A CRM realiza os desmembramentos dos terrenos onde existem algumas construções e providencia as avaliações necessárias. A ideia é encaminhar a solicitação de venda dos imóveis ao Estado, por meio de leilão, ainda no primeiro semestre do ano em curso."
Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer)
"O patrimônio da autarquia está sendo amplamente revisto e será, em breve, drasticamente reduzido. Em decorrência desse processo de reestruturação, os servidores, ao se aposentarem, deverão desocupar esses imóveis. Essa medida será realizada de forma gradativa, tendo em vista evitar um problema social ao Estado."
Secretaria do Ambiente
Segundo a secretária Ana Pellini, os imóveis estão localizados dentro de áreas de proteção integral e servem de moradia para guarda-parques. Como o governo autorizou a nomeação de mais de 30 servidores, a ideia é ampliar o número de propriedades.
– No Interior, o problema são os caçadores e, nas áreas próximas aos grandes centros urbanos, as invasões. Então, as unidades, que ficam em áreas isoladas, têm suas peculiaridades – diz Ana.
Secretaria da Segurança Pública
"(Os imóveis) se destinam a atender policiais civis e militares, sobretudo agentes e soldados, que frequentemente são transferidos e não têm residência na cidade para onde foram designados. Por orientação do governador, esses imóveis estão sendo reavaliados dentro do programa de permuta de imóveis do governo."
Banrisul
"O Banrisul possui um programa permanente de movimentação de gestores, que visa ao necessário rodízio nos postos de gerência. (O programa visa a) atender às demandas de moradia para os gerentes da rede de agências, que fazem jus ao auxílio-moradia."
Secretaria de Obras Públicas
"Há só um imóvel funcional, em Novo Hamburgo. Está ocupado de forma legal, tendo como residente um tenente da Brigada Militar. No local funciona também a 2ª Coordenadoria Regional de Obras Públicas."