Em 29 de outubro de 2015, o maior empreiteiro do país, Marcelo Odebrecht, entrou na sala do juiz federal Sergio Moro com um discurso pronto, no qual afirmou categoricamente, ao magistrado da Lava-Jato, jamais ter orientado pagamento de propina. O depoimento de Odebrecht foi por escrito – ele entregou a Moro uma lista de perguntas e repostas preparadas por sua própria defesa e se recusou a responder o interrogatório.
– Para alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar. Isso não ocorre aqui – respondeu Marcelo em setembro, na CPI da Petrobras da Câmara dos Deputados.
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Odebrecht havia sido preso em 19 de junho. Quatro meses depois da audiência, em fevereiro de 2016, a Odebrecht e seu líder sofreram um golpe inesperado: a prisão de Maria Lucia Tavares, secretária do emblemático Setor de Operações Estruturadas, o famoso "Departamento de Propinas" do Grupo.
Maria Lucia entregou à Lava-Jato os segredos do setor e os caminhos da propina paga a políticos e agentes públicos. Começava aí a ruir a versão inicial de Marcelo Odebrecht. Em dezembro de 2016, o empreiteiro e outros 76 executivos da Odebrecht fecharam acordo de delação premiada por meio do qual todos confessam uma longa rotina de pagamentos ilícitos.
"Acusação injusta"
No documento que entregou ao juiz federal Sergio Moro, o empreiteiro apresentou uma sequência de 60 perguntas a ele próprio, escolhidas seletivamente por seus advogados. A estratégia era evitar questionamentos do juiz Moro.
A pergunta 32 era relativa à corrupção. "32. O senhor já efetuou pagamentos de propina ou orientou que fossem feitos pagamentos de propina? O senhor tem conhecimento de pagamento de propina pela Odebrecht?"
"Resposta de Marcelo Odebrecht: Não e não. Jamais orientaria esse tipo de conduta ilegal. Esta acusação é profundamente injusta. Aliás, isso também está comprovado nos autos, que não apontam nenhuma conduta minha nesse sentido".
Atualmente, porém, o discurso é outro. O empresário relatou doações da Odebrecht a campanhas eleitorais e propina para que os interesses da empresa fossem defendidos no Congresso.
Sobre o ex-presidente Lula, o delator afirmou que combinou a contribuição de R$ 40 milhões com o ex-ministro Antonio Palocci.
– A gente botou R$ 40 milhões que viriam para atender demandas que viessem de Lula. Veja bem: o Lula nunca me pediu diretamente. Eu combinei via Palocci. Óbvio, ao longo dos usos, ficou claro que era realmente para o Lula. [...] O Palocci me pedia para descontar do saldo "amigo".
Para a campanha de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff, segundo Marcelo, o então ministro da Fazenda Guido Mantega pediu R$ 100 milhões. Em troca, Mantega atuou junto ao governo e também no Congresso para a aprovação de uma medida provisória para beneficiar a Braskem, outra empresa ligada ao Grupo Odebrecht.
– O Guido veio com pedido adicional da campanha. Até então para a campanha eu já tinha feito a doação oficial, já tinha feito a doação oficial para o PT que deu para ela (campanha da Dilma) e já tinha acertado pagamentos para João Santana. Aí ele (Mantega) veio com pedido adicional – disse Marcelo aos procuradores.
O empreiteiro também confirmou ter se encontrado com o presidente Michel Temer durante tratativas para a campanha eleitoral de 2014, mas negou ter acertado com o peemedebista um valor para a doação. As tratativas para a doação de R$ 10 milhões ao PMDB, conforme Marcelo, foram feitas entre o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), e o executivo Cláudio Melo – e admite que parte dos pagamentos pode ter sido feita via caixa 2.
Em sua delação, Odebrecht também trata dos repasses para o senador Aécio Neves e o PSDB.
– Mesmo no início do governo Lula, Furnas continua sob forte influência do PSDB. Como é coisa antiga, não sei precisar quanto foi de caixa 2, se foi oficial, mas uma parte ia para Aécio, outra parte ia para candidatos, outra era caixa 2. Eu sei que era um montante relevante. E a gente está falando de um montante de, pelo menos, R$ 50 milhões – disse Odebrecht.
O executivo afirmou ainda que todos os políticos brasileiros usam recursos de caixa dois para financiarem suas campanhas. Em um dos depoimentos, ele disse que está mentindo o político que afirma não ter recebido valores não contabilizados em campanhas eleitorais.
– Eu não conheço nenhum político no Brasil que tenha conseguido fazer qualquer eleição sem caixa dois. O cara pode até dizer que não sabia, mas recebeu dinheiro do partido que era caixa dois. O político que disser que não recebeu caixa dois está mentindo – afirmou o delator.
No mesmo depoimento, Marcelo Odebrecht disse que o repasse via caixa dois era predominante para políticos que tinham bom relacionamento com a empresa.
– Todo lugar onde a gente tinha uma relação forte ou uma presença forte, com certeza teve caixa dois – admite.
*Estadão Conteúdo