O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Gilmar Sossella (PDT), e outras sete pessoas foram indiciadas por formação de quadrilha, concussão (exigir para si em razão da função vantagem indevida) e por outros três crimes tipificados no Código Eleitoral, entre eles, coação. Os indiciamentos são resultado do inquérito aberto em agosto pela Polícia Federal, concluído nesta quinta-feira (8) e remetido ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Além de Sossela, foram indiciados a esposa dele, Melânia Sossella, o superintendente geral, Artur Souto, o superintendente administrativo da Assembleia, Ricieri Dalla Valentina Júnior, o diretor do Departamento de Comissões Parlamentares, Ivan Ferreira Leite, a Superintendente Legislativa, Fernanda Paglioli, o chefe de gabinete da Presidência, major da Brigada Militar Jair Luiz Müller, e a secretária do gabinete do superintendente-geral, Andreza Macedo Teixeira. O deputado foi reeleito no último domingo com 57.490 votos para o terceiro mandato consecutivo no parlamento gaúcho.
A Rádio Gaúcha apurou como funcionava o esquema orquestrado pelo gabinete da presidência da Assembleia para pressionar servidores a dar parte dos salários, pagos com dinheiro dos contribuintes, para a campanha do deputado Gilmar Sossela (PDT). Diretores e coordenadores, servidores concursados da Casa, detentores de funções gratificadas, foram pressionados a comprar convites no valor de R$ 2,5 mil cada para um churrasco de arrecadação de campanha.
Estagiários para atuar na campanha
Além disso, o gabinete da presidência recrutou estagiários para engrossar as fileiras de cabos eleitorais com a missão de conquistar votos para a reeleição do parlamentar e apresentar listas com os nomes dos eleitores.
Conforme apurado pela Rádio Gaúcha, até o início do ano a seleção dos estagiários era realizada pelo Departamento de Gestão de Pessoas, que deveria aplicar provas nos candidatos a partir de inscrições feitas pelo site do Legislativo, conforme consta na resolução 1.225 de novembro de 2013. No entanto, assim que Sossella chegou à presidência, o sistema mudou.
Servidores ouvidos pela reportagem disseram que a escolha dos estagiários passou a ser feita exclusivamente pelo superintendente geral, Artur Souto, segundo eles, a partir de critérios políticos. Souto escolhia os estudantes e repassava os nomes aos responsáveis pela contratação.
Depois de contratado, cada estagiário recebia da secretária da superintendência, Andreza Macedo Teixeira, o chamado "caderninho do compromisso" - um caderninho de espiral, onde já estava escrito o nome do estagiário, e onde este deveria anotar o nome completo de eleitores que ele havia convencido a votar em Sossella, junto com a data de nascimento e outros dados.
Com essas informações era possível rastrear a sessão eleitoral e verificar se o voto de fato confirmou-se em 5 de outubro. A caderneta foi entregue junto com um bombom, de acordo com relatos de estagiários e servidores ouvidos pela Gaúcha. Segundo um deles, o caderno servia para anotar os eleitores conquistados.
"Tinha uma caderneta para a anotação das pessoas próximas aos estagiários. Servia meio que um cabo eleitoral, anotava nome, endereço, data de nascimento para depois distribuir material de campanha e ver onde essas pessoas votavam", disse uma pessoa, que pediu para não ser identificada.
"Esse caderninho vinha em branco, tipo caderneta de armazém, para os estagiários inserirem o nome da pessoa, futuro eleitor, colocar seu endereço, telefone, email e também a data de aniversário", afirmou outro estagiário ouvido pela Gaúcha.
Um dos estudantes foi contratado por indicação de um cabo eleitoral. Para retribuir o favor, precisou colocar uma placa da campanha em frente à residência.
Compra de convites para jantar
Já a coação para a compra de convites de R$ 2,5 mil se dava da seguinte forma: parte dos servidores era chamada individualmente ao gabinete do superintendente geral e coordenador da campanha para a reeleição do deputado Gilmar Sossella. Na conversa, eram orientados a comprar os convites. Caso não comprassem, a ameaça incluía a perda das funções gratificadas, e um rebaixamento de função.
A pressão era repassada hierarquicamente. O superintendente geral intimava os diretores de cada área, que pressionavam os coordenadores, seus subordinados. Nas últimas semanas, a Rádio Gaúcha ouviu servidores que foram vítimas da coação feita pelo gabinete do presidente da Assembleia Legislativa.Nenhum deles aceitou se identificar, temendo represálias.
Um deles contou que um integrante da cúpula da Assembleia apresentava um cálculo para mostrar que o valor do churrasco representava um percentual pequeno do total que o servidor recebia ao longo do ano com a função gratificada.
"Os servidores que exercem chefia foram pressionados, constrangidos a comprar. Inclusive apresentaram um cálculo de quanto representa a função em relação ao valor do convite. Por exemplo, se a função dá R$ 50 mil durante todo o ano, R$ 2,5 mil valeria 5%. Então teria que colaborar", afirmou um servidor ouvido pela reportagem.
De imediato, os funcionários estranharam o alto valor do convite: quem iria se dispor a tirar R$ 2,5 mil do bolso de uma única vez? Ameaçados, muitos chegaram a dividir a conta: grupos de funcionários faziam uma espécie de "vaquinha" para que ninguém corresse o risco de ser dispensado, mas a pressão não cessou.
O então coordenador do Departamento de Assessoramento às Comissões, Nelson Delavald Jr., se recusou a comprar o convite na primeira abordagem. O chefe, então, insistiu uma segunda vez. Delavald manteve sua decisão e voltou a recusar. Não deu outra, dias depois foi afastado da função, em 22 de agosto. A medida intimidou colegas, conforme este relato de outra vítima:
"Um servidor que trabalhou com eles na Primeira Secretaria, um dos mais conceituados lá, foi dispensado da função porque se negou a adquirir o convite. E isso criou um medo nos demais que seriam chamados".
Diário Oficial mostra dispensa de servidor do cargo:
A dispensa de Delavald foi entendida como um recado. Muitos servidores sentiram a pressão se tornar mais forte após retaliação à negativa de compra. Os servidores estavam revoltados, especialmente porque todos os diretores e coordenadores com funções gratificadas não prestam serviço para o gabinete de um deputado, a exemplo de um cargo de confiança. Eles atuam em áreas vitais para o funcionamento de uma estrutura pública.
"A função gratificada tem função de responsabilidade diante do trabalho que é feito. É diferente de um CC que trabalha para um deputado. Na função gratificada se trabalha para a instituição, e foi aí que começou o problema", disse outro funcionário da Casa.
No início de setembro, o superintendente geral afirmou à Rádio Gaúcha que apenas 30 dos 189 servidores com funções gratificadas compraram o convite, o que, segundo ele, demonstraria que não houve pressão. A prestação de contas parcial da campanha de Sossella entregue à Justiça Eleitoral aponta que 15 doações, totalizando R$ 55 mil, foram feitas por servidores da Assembleia.
Artur Souto chegou a ser afastado por decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no início de setembro, porém o tribunal o reconduziu ao cargo no início desta semana. Com isso, servidores voltaram a viver um clima de tensão e evitaram voltar a conversar com a reportagem nos últimos dias.
A Polícia Federal e a Procuradoria Regional Eleitoral foram procurados, mas não comentaram o inquérito alegando que o mesmo corre sob sigilo. O superintendente da Assembleia Legislativa Artur Souto negou presssão a servidores. Gilmar Sossella também negou as denúncias e ainda rejeitou se afastar da presidência da Casa.