Quatro meses depois de entrar em vigor, a Lei de Acesso à Informação ainda está longe de ser cumprida de forma eficiente. Atrasos, burocracia para registrar pedidos, pouca disposição de agentes públicos e falta de clareza nos critérios adotados para negar informações são alguns dos problemas para obter dados públicos.
Dos 104 pedidos feitos por Zero Hora desde o dia 16 de maio, quando a lei 12.527 começou a valer, apenas 44% foram respondidos de forma completa. As dificuldades se repetem em todas as esferas de governo, mas um caso verificado na Assembleia Legislativa mostra como a lei ainda custa a ser respeitada.
Durante os últimos três meses, ZH tentou obter junto à Assembleia Legislativa a lista dos funcionários com Cargos em Comissão (CCs) autorizados a trabalhar fora da sede do parlamento - e os locais onde cumprem suas funções. Apesar de público, o dado não está disponível no site do Legislativo e não foi fornecido.
Desde junho, ZH fez a mesma pergunta em uma entrevista, dois pedidos por escrito e um recurso pela Lei de Acesso, sem sucesso. A administração da Assembleia, que gasta em torno de R$ 6,8 milhões mensais com CCs, diz desconhecer quem são as pessoas que podem atuar fora. Segundo o parlamento, a informação seria de conhecimento apenas dos gabinetes dos deputados e das bancadas.
Mas quando ZH fez o pedido aos 55 gabinetes e às 11 bancadas, o presidente do parlamento, Alexandre Postal (PMDB), reagiu. Disse à reportagem que os parlamentares estavam "brabos" por terem sido demandados.
O ofício solicitava que o dado fosse divulgado em 48 horas - a Lei de Acesso prevê que uma informação cuja resposta não dependa de meticulosas pesquisas seja prestada imediatamente. A assessoria do deputado Alexandre Lindenmeyer (PT), por exemplo, forneceu os dados no mesmo dia. Mas o petista foi o único a responder: no mesmo dia, houve um acerto entre os parlamentares de que a Mesa Diretora é que responderia por todos.
Com base na afirmação do superintendente de Comunicação Social da Assembleia, Marcelo Villas-Boas dos Santos, de que "deputado individualmente não é parte para ser inquirido pela lei", Postal definiu:
- Não se pode impor a um deputado prazo para dar informação. Tem que pedir para a Casa. A Mesa vai responder dentro do nosso regramento.
Somente 20 dias depois, o superintendente-geral da Casa, Fabiano Geremia, enviou um e-mail em resposta, no qual não consta a informação solicitada. ZH recorreu e a Mesa Diretora, novamente, respondeu sem dizer os nomes dos CCs e onde trabalham. Na mensagem, Geremia sustenta que "as informações fornecidas foram completas, não tendo havido qualquer recusa a informações mantidas pela Administração deste Parlamento."
Como foi a busca pelas informações sobre os CCs
Em 5 de julho, com base na Lei de Acesso à Informação, ZH fez o seguinte pedido à Assembleia:
- Quantos e quais CCs têm autorização para cumprir expediente fora da sede do parlamento
- Em que local (endereço físico) deve prestar serviço cada um dos CCs autorizados a trabalhar fora da sede do parlamento
- De que forma os CCs que trabalham fora da sede prestam contas dos serviços executados
- Quem é a(s) pessoa(s) responsável por atestar a efetividade de cada um dos CCs autorizados a atuar fora da Assembleia
Em 25 de julho, a Assembleia respondeu dizendo que a "informação de quais servidores especificamente necessitam realizar atividades fora da sede está descentralizada nos diversos órgãos da Casa."
Em 31 de julho, ZH redirecionou o pedido aos 55 gabinetes parlamentares e às 11 bancadas.
Em 1º de agosto, durante entrevista sobre a aprovação do controle de ponto eletrônico, o presidente da Casa, deputado Alexandre Postal (PMDB), reclamou do fato de ZH ter feito pedido diretamente aos deputados. Postal disse que a Mesa Diretora é que responderia pelos 55 deputados.
Em 20 de agosto, a Mesa Diretora respondeu, sem as informações solicitadas. ZH recorreu à Mesa sete dias depois.
Em 31 de agosto, o parlamento respondeu ao recurso, novamente sem divulgar a informação solicitada, dizendo que a Mesa entendia já ter fornecido os dados.
As dificuldades mais comuns
Burocracia ao fazer o pedido
A lei determina que o requerente se identifique ao fazer o pedido, mas os órgãos públicos vêm exigindo o preenchimento de um longo cadastro, com a necessidade de informar dados pessoais como endereço, telefone, CPF e outros detalhes. Em alguns casos, a dificuldade é maior: o Tribunal de Contas pede que o internauta envie, anexa ao pedido, cópia de algum documento de identificação. Não só a lei não pede essa comprovação de identidade, como ainda determina que não pode haver exigências que inviabilizem o pedido.
Informações parciais ou negadas
Enquanto a lei 12.527 determina que a transparência deve ser regra e o sigilo, exceção, a prática ainda é oposta. É comum receber respostas genéricas para perguntas específicas ou ter pedidos negados em um primeiro momento, exigindo que o requerente entre com um recurso. Foi o caso de um pedido feito por ZH sobre as obras previstas para o aeroporto Salgado Filho _ depois de negar qualquer dado alegando sigilo das licitações previstas, a Infraero aceitou divulgar parcialmente os dados pedidos.
Critérios diversos para sigilo
Apesar de a lei fixar regras claras de sigilo e determinar que documentos sejam divulgados mesmo com informações sigilosas _ desde que tarjadas _, não é o que ocorre. O Governo do Estado se nega a divulgar as empresas que mais recebem incentivos fiscais estaduais, alegando que seu sigilo fiscal será quebrado.
Falta de orientação sobre recursos
Apesar de citar a possibilidade de recursos para informações negadas, as comunicações do governo estadual e da Assembleia não são claras sobre o caminho a ser seguido _ por exemplo, qual é a autoridade máxima, e como chegar até ela, para determinar a divulgação ou não da informação.